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Por que um Green e não um Blue Deal, União Europeia?

A menção ao apoio financeiro e à assistência técnica faz referência aos indivíduos mais afetados pela transição da economia verde

Por que um Green e não um Blue Deal, União Europeia?

De acordo com seu próprio objetivo, o Green Deal da União Europeia (UE) se esforça para que a Europa seja o primeiro continente neutro para o clima. Buscando enfrentar ameaças como a mudança climática e a degradação ambiental, a UE reconhece a necessidade de uma nova estratégia de crescimento que a transforme em uma economia moderna e eficiente em termos de recursos e mais competitiva. No entanto, ao buscar zerar as emissões líquidas de gases de efeito estufa (GEE) até 2050, um crescimento econômico desacoplado do uso de recursos e não deixar nenhuma pessoa ou nenhum lugar para trás, parece que o plano apresenta suas primeiras contradições (*).

Embora mencione o objetivo de ser neutra para o clima em 2050; investir em tecnologias que não agridam o meio ambiente; apoiar a indústria para inovar; implementar formas mais limpas, baratas e saudáveis de transporte público e privado; descarbonizar o setor de energia; e garantir que os edifícios sejam mais eficientes em energia, a limitação na ousadia do plano fica cada vez mais evidente. Isso porque, embora destaque a necessidade de se trabalhar com parceiros internacionais para melhorar os padrões ambientais globais e mobilize pelo menos € 100 bilhões entre 2021-2027 nas regiões mais afetadas, inexiste uma menção objetiva, detalhada e precisa sobre a economia azul (*) – no âmbito da UE, economia azul contempla todas as atividades econômicas relacionadas aos oceanos, mares e costas, cobrindo uma ampla gama de setores estabelecidos e emergentes – ou à relevância das atividades marítimas e das indústrias marinhas. Pelo contrário, a menção ao apoio financeiro e à assistência técnica faz referência aos indivíduos mais afetados pela transição da economia verde.

Dentre as nove policy areas do Green Deal, apenas quatro mencionam, mesmo que de maneira marginal ou indireta, oceanos ou atividades relacionadas: biodiversidade (conservação dos estoques marinhos); da fazenda ao garfo (Comissão Europeia reduzirá a venda de antimicrobianos na aquicultura em 50% e menção P&D para pesca e aquicultura, este como “próximos passos”); eliminar a poluição (menção à preservação da biodiversidade nos lagos, rios e pântanos – sem qualquer menção aos mares e oceano); ação climática (mitigação e adaptação às mudanças climáticas); e energia limpa.

Nesta última área, a EU Strategy on Offshore Renewable Energy (*) propõe aumentar a capacidade eólica offshore do seu nível atual de 12 GW para, pelo menos, 60 GW (até 2030) e 300 GW (até 2050). Ainda que o foco da estratégia esteja sobre a participação da eólica offshore, a Comissão pretende complementar esta capacidade com 40 GW de outras energias oceânicas (como a energia eólica flutuante e solar, em 2050). Para tal, aborda questões mais amplas, como acesso ao mar, dimensões industriais e de emprego, cooperação regional e internacional e a transferência tecnológica de projetos de pesquisa do laboratório para a prática (*).

Resumidamente, em todo o action plan, a economia azul é mencionada uma única vez, quando afirma que “Uma ‘economia azul’ sustentável terá de desempenhar um papel central na redução das múltiplas demandas dos recursos terrestres da UE e no combate às alterações climáticas. O papel dos oceanos na mitigação e adaptação às mudanças climáticas é cada vez mais reconhecido.” (tradução nossa) (*). Paradoxalmente, analisando as ações e áreas, a economia azul está longe de desempenhar qualquer papel estratégico neste plano.

Esse perfil vai de encontro à própria iniciativa da UE, que desempenha um papel de liderança no debate sobre economia azul e governança dos oceanos. Portanto, a pergunta que não quer calar é: por que um Green e não um Blue Paper, União Europeia? Tais críticas já vêm aparecendo desde 2019, no entanto não é possível que ainda haja tão pouca informação, política e ação em pleno 2021, justamente ano de início da Década da Ciência Oceânica para o Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas (2021-2030).

É preciso que o European Green Deal sirva também à agenda de oceanos (*), incluindo ocean-based climate solutions (soluções climáticas baseadas no oceano). Nele, há menção à poluição, mas não se evidencia o impacto da poluição por microplásticos nos oceanos e na vida marinha por exemplo (*). De fato, a economia azul precisa ser mais bem endereçada, demandando ações mais concretas. Um European Green Deal de sucesso tem que incluir os mares e os oceanos!

Na visão de muitos, “blue is the new green” (*). Sendo assim, parece até anacrônico usar o termo “green” quando a própria UE investe fortemente na agenda “blue” por meio, por exemplo, de uma política marítima integrada (desde 2007), uma Marine Strategy Framework Directive (também conhecida como “Diretiva Marinha”, desde 2008), uma estratégia de crescimento azul (desde 2012), diversos clusters marítimos e estratégia de planejamento espacial marítimo – apenas para citar alguns exemplos. Ou seja, apesar de todas as iniciativas regionais, a agenda azul é fortemente ignorada no European Green Deal. Nunca é demais lembrar que a economia azul emprega mais de 4 milhões de pessoas na UE e que pode ser entendida como chave na recuperação econômica pós-pandemia de COVID-19 (*).

 

Thauan Santos

Thauan Santos é professor do Programa de Pós-Graduação em Estudos Marítimos da Escola de Guerra Naval (PPGEM/EGN), Coordenador do Grupo Economia do Mar (GEM) e Pesquisador do Conselho Latino-Americano de Ciências Sociais (CLACSO).

Luan Santos

Luan Santos é professor do Programa de Engenharia de Produção (PEP/COPPE/UFRJ), da Engenharia UFRJ-Macaé e Head of Research da Brazilian Research Alliance for Sustainable Finance and Investment (BRASFI).