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Processamento de carnes

Preço e conveniência continuam em alta no varejo, mas mercado de alimentos passa por transformações

O setor alimentício tem mirado algumas macrotendências, como saudabilidade/bem-estar, sensorialidade/prazer e ética. O consumidor também é cada vez mais interessado em conhecer as diversas etapas de produção dos alimentos, querendo opinar sobre todas elas

Preço e conveniência continuam em alta no varejo, mas mercado de alimentos passa por transformações

Por Humberto Luis Marques

 

O mercado alimentício vive um período de grandes transformações. Os caminhos apontados pelas tendências são os mais variados, mas há uma certeza. O consumidor é cada vez mais influente. Potencializado pelas mídias sociais, os consumidores opinam sobre as formas de produção dos alimentos, informações nos rótulos e características nutricionais. Embora o preço ainda seja o fator mais relevante no momento de compra, uma série de outros aspectos é levada em consideração antes de um produto sair da prateleira e ir para o carrinho do supermercado. Isso tem obrigado a indústria a investir fortemente em pesquisa, inovação e tecnologia visando o desenvolvimento de novos produtos e embalagens para um consumidor influenciador e influenciável via informações circulantes pela internet, muitas, inclusive, sem base científica ou racional. “A meu ver, o próprio mercado influencia as tendências e as formas do mercado agir são as mais variadas, mas sempre passam pelos formadores de opinião, tais como os médicos e, cada vez mais, pelas mídias sociais”, afirma Ana Lucia da Silva C. Lemos, pesquisadora do Centro de Tecnologia de Carnes (CTC), ligado ao Instituto de Tecnologia de Alimentos (Ital).

O setor de alimentos trabalha com foco em algumas macrotendências, aplicáveis ao consumo de gêneros alimentícios em geral, incluindo carnes. É muito claro para a indústria que o consumidor busca conveniência, saudabilidade/bem-estar, sensorialidade/prazer e ética. Para a pesquisadora Ana Lucia, a conveniência é a mais importante, pois, independentemente dos demais apelos, a conveniência no momento do preparo e consumo deve estar presente nos alimentos. O que determina muitas dessas mudanças são as transformações por quais passam a própria sociedade, como as de ordem demográfica: crescimento populacional, famílias menores, urbanização e envelhecimento da população. A questão econômica e as políticas de renda têm peso importante, como o poder aquisitivo das famílias e até ascensão do mercado de luxo. Há ainda as educacionais/culturais (nível de escolaridade, características de cada faixa etária, especialmente as mudanças de comportamento das novas gerações), culturais e de ética e meio ambiente (mudanças climáticas, respeito ao meio ambiente).

Sustentabilidade e ética são dois pontos centrais nos consumidores, principalmente os das novas gerações, onde se incluem aspectos do chamado bem-estar, relacionados às formas de produção e abate dos animais e processamento da carne. “O consumidor busca, além de selos e certificações, a transparência dos processos produtivos”, reforça Ana Lucia. Um estudo conduzido pelo CTC há mais de dez anos, como parte das atividades previstas no projeto europeu Sigma Chain, evidenciou que os consumidores confiam mais em informações de órgãos públicos e universidades do que naqueles veiculados pelas próprias empresas ou supermercados.

Isso envolve inclusive as inúmeras diretrizes das organizações internacionais em relação a práticas que contribuem para a saúde, como reduções no consumo de sódio e de gorduras de origem animal, assim como redução da quantidade de carnes vermelhas e embutidos nas refeições. Manifestações como essa impactam sobre o mercado cárneo, fazendo com que a indústria busque novas formas de fabricar e/ou apresentar o seu produto. “Várias dessas recomendações estão sendo revistas, especialmente em relação ao consumo de gorduras de origem animal. Vale destacar que as novas dietas paleo e cetogênicas, bem como as propriedades das carnes em promover saciedade, são uma realidade”, explica a pesquisadora do CTC. “A carne é saúde e inúmeros compostos bioativos estão naturalmente presentes nela e isso deve ser divulgado”, reforça.

Carne em três dimensões

As indústrias frigoríficas, segundo Ana Lucia, estão atentas a todas as tendências. No entanto, pesquisas junto a consumidores do mundo todo tem reforçado que o mais importante no momento da compra de uma carne é o preço. A pesquisadora do CTC indica que os desejos do consumidor e sua busca por qualidade se dão basicamente em três dimensões. A primeira, no momento da compra, onde o mais relevante é o preço, seguido de informações no rótulo (valor nutricional, certificações etc.), gordura visível, cor e aparência da carne, entre outros. A segunda é após o consumo, quando esse consumidor avaliou intrinsicamente sabor, frescor, maciez e suculência. A terceira dimensão se dá nas credenciais do produto cárneo, que são os fatores extrínsecos, o que envolve origem, bem-estar animal e sistema de produção (alimentação). “Nesse contexto, dependendo do nicho de mercado que se deseja atingir, a indústria busca atender aos desejos do consumidor com suas práticas”, afirma Ana Lucia.

A indústria frigorífica no Brasil, especialmente a de carnes bovinas, ainda não dispõem de ações coordenadas para mudança da imagem do seu produto junto aos consumidores. Na análise da pesquisadora, talvez isso se deva ao fato de o consumo per capita no Brasil ser bastante elevado e, apesar de eventuais mensagens negativas na mídia, o brasileiro apreciar as carnes. “É interessante que isso não acontece só no Brasil: pesquisas de mercado recentes evidenciaram que a carne ainda ocupa lugar de destaque no centro do prato dos consumidores”, afirma.

O crescimento do vegetarianismo, que poderia parecer uma ameaça ao mercado de carnes, ainda é pífio, segundo a pesquisadora. Por outro lado, a geração Y (19 a 35 anos) é a que apresenta as maiores restrições ao consumo de carnes. “As indústrias devem se preocupar com as possíveis atitudes desta geração daqui a dez ou 20 anos e investirem já na criação de uma nova imagem para a carne”, ressalta.

Embalagens no centro das tendências

O setor de alimentos busca embalagens chamativas aos olhos do consumidor, mas que também agreguem praticidade. A disputa nas gôndolas dos supermercados é intensa e normalmente as pessoas não estão com muito tempo para observar diversas marcas de um mesmo produto. A decisão por um ou outro se dá em segundos, de acordo com variáveis como preço, praticidade, confiança na marca e design da embalagem. Segundo explica a pesquisadora do Centro de Tecnologia de Embalagem (Cetea), do Ital, Claire Isabel G. L. Sarantopoulos, do ponto de vista do consumidor, no varejo tradicional, são relevantes os fatores estéticos e de identidade da marca e do próprio produto. Nesse ponto, efeitos que permitem a diferenciação como design, cores, textura (efeito papel), brilhos, acabamentos foscos, itens associados ao luxo, ao conceito premium, gourmet, natural, tradicional e caseiro são relevantes.

Conveniência e praticidade também são determinantes, principalmente as que envolvam abrir, refechar, usar e descartar. De acordo com Claire, embalagem para preparação ou aquecimento do alimento em forno de micro-ondas é quase uma exigência para várias categorias. No quesito da conveniência a redução do tamanho das porções elimina desperdício e permite menor desembolso. “A possibilidade de comer a qualquer hora e em qualquer lugar tem grande apelo e para isso há inúmeros lançamentos de embalagens tipo on-the-go”, destaca a pesquisadora do Cetea.

Na atual busca por alimentação saudável, a preferência do consumidor recai sobre os alimentos refrigerados. Muito embora, produtos cárneos semiprontos ou prontos normalmente são comercializados apenas em sua forma congelada, em embalagens apropriadas a esse fim. O menor impacto ambiental, inclusive por meio da redução de perdas de alimentos é outra tendência no desenvolvimento de embalagens. Isso inclui questões envolvendo redução no consumo de materiais, de energia e de água, além de a possibilidade de reciclagem e reuso. “As embalagens interativas, que permitem a comunicação com o consumidor, ganhará cada vez mais espaço nas gôndolas, visando entretenimento, como o uso de realidade aumentada, ou que permitem maior eficiência na gestão da cadeia de distribuição, como sistemas de rastreabilidade via RFID”, indica Claire. A pesquisadora também comenta que crescerá a importância de assuntos regulatórios no setor de alimentos, com foco principalmente em toxicologia.

Embalagens com atmosfera modificada e do tipo vacum skin package, uma variação da embalagem tradicional a vácuo, são novas possibilidades que, eliminando o contato do produto com o oxigênio do ar e ainda permitindo a ação de agentes antimicrobianos como gás carbônico, possibilitam o aumento da vida útil de alimentos perecíveis durante a comercialização refrigerada. “Em resumo, a evolução ocorre no sentido do desenvolvimento de embalagens que agreguem conveniência e funcionalidade; que ofereçam segurança para consumo e uso, associadas à redução de fraudes e à rastreabilidade; que estejam inseridas em um contexto de sustentabilidade da cadeia produtiva; por fim, que permitam a personalização do consumo, atendendo desejos e expectativas de vidas próprias, entretenimento e interatividade”, ressalta a pesquisadora do Cetea.

Sustentabilidade em destaque no rótulo

A função primordial de uma embalagem sob o aspecto da sustentabilidade é a proteção oferecida ao produto acondicionado, viabilizando a distribuição e aumentando a vida útil dos alimentos. Segundo Eloisa Elena Correa Garcia, também pesquisadora do Cetea-Ital, a aplicação de estudos de “Avaliação do Ciclo de Vida” demonstra que o custo ambiental da produção e processamento dos alimentos é grande, inclusive dos produtos cárneos e que o impacto ambiental de uma eventual perda do produto justifica plenamente o uso de embalagens bem dimensionadas.

No caso de informações relativas à sustentabilidade apresentadas no rótulo, dependerá, obviamente, da disponibilidade de área gráfica, como a de cartuchos de cartão, podendo ser utilizados para comunicar ganhos ambientais para o consumidor tanto pelo uso de embalagens, como da gestão da cadeia produtiva, conforme explica Eloisa. “Outra opção é o uso de ferramentas interativas, como o QR Code, que transferem o consumidor para páginas na internet, onde as informações podem ser detalhadamente apresentadas, enriquecendo a transferência de informações e conhecimento”, afirma a pesquisadora do Cetea.

Segundo Eloisa, todas as embalagens devem conter o símbolo de descarte seletivo, o qual orienta o consumidor para uma correta destinação pós-consumo como resíduo seco, destinando-as para a coleta seletiva e para o processo de triagem. A pesquisadora ressalta que essa aplicação deve ser feita ao lado ou abaixo da simbologia de identificação de materiais. “A simbologia de identificação de materiais contribui com o processo de triagem, sendo fundamental para que a logística reversa se estabeleça adequadamente”, ressalta.

No caso das embalagens plásticas, segundo Eloisa, a correta identificação facilita a separação dos materiais e permite a redução da contaminação cruzada entre diferentes cadeias de reciclagem, contribuindo para a redução de resíduos e para o aumento da qualidade dos produtos fabricados com materiais reciclados. “Todas as embalagens devem conter esta identificação técnica, mesmo que na prática nem todas sejam enviadas para reciclagem por não existirem processos técnicos ou economicamente viáveis na região em que foram descartadas”, conclui a pesquisadora do Cetea.