A alta recorde no preço da soja e do milho nas últimas semanas, causada pela seca que levou a quebra de safra nos Estados Unidos, colocou em cheque as contas de milhares de produtores de frangos e suínos no Brasil e pode levar a uma onda de quebras. O problema é mais grave entre os cada vez mais raros criadores independentes, mas lideranças do setor dizem que a crise atinge também a fornecedores ligados às grandes companhias, como Marfirg e BRF. Nas gôndolas, o reflexo será a alta de mais de 50% no preço das carnes.
“Empresas que não têm certo lastro financeiro vão passar por situação difícil”, diz Mario Lanznaster, diretor presidente da catarinense Aurora, uma das maiores cooperativas agrícolas brasileiras, com receita projetada para este ano de R$ 4,1 bilhões. “Algumas vão fechar, outras vão entrar em concordata ou vão se juntar para sobreviver”, afirma o executivo.
Margens estreitas – Acostumados a operar com margens de lucro baixas, por volta dos 3%, os produtores afirmam que não têm como absorver o aumento de custos. O ciclo de produção do frango é de cerca de 30 dias e, o dos suínos, quase seis meses. Com a alta no preço da soja e do milho, o dinheiro reservado para bancar a ração dos animais – constituída basicamente por esses dois grãos – acaba no meio do caminho.
De acordo com os produtores, o repasse do aumento dos custos é inevitável. O temor é de que a alta no preço das carnes leve os consumidores a buscarem alternativas, como a carne bovina e os peixes, o que derrubaria as vendas, agravando ainda mais a crise.
Na avaliação de Lanznaster, que é agrônomo, muitas agroindústrias com abates de menos de 100 mil frangos por dia já têm dificuldades. “Os maiores ainda têm alguma margem por causa do volume de abates”, diz.
Na Aurora, onde são mortos 600 mil frangos e 14 mil suínos por dia, as medidas emergenciais para lidar com a situação incluem a redução em 10% do alojamento de pintinhos de corte e 10% do abate de frangos e suínos. Horas extras e abates aos sábados foram suspensos para reduzir gastos extras. “Quem não fizer isso está rasgando dinheiro”, diz Lanznaster.
O drama é maior para empresas menores. Quem tem caixa pode suportar períodos maiores no vermelho e aguardar que a “mão invisível” do mercado feche as portas de quem não tem. É o caso de grandes companhias do setor, como BRF, dona das marcas Sadia e Perdigão, e da Marfrig, que tem como cartão de visita a Seara. A lei da oferta e da procura, com o tempo, tende a reequilibrar produção e demanda.
A previsão, porém, é de que a situação dure ao menos um ano, até a colheita da próxima safra nos EUA, maior produtor mundial de milho e soja. O Brasil teve safrinha recorde de milho e poderá se tornar neste ano o maior exportador mundial de soja.
Mas como a oferta internacional foi afetada pelo calor e a seca nos EUA, onde as temperaturas de julho foram as mais altas em mais de 100 anos (desde 1895), as encomendas de compradores de fora cresceram e os preços locais subiram em linha. Em alguns casos, superando até a barreira dos 100% em relação ao mesmo período do ano passado.
A Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove), que reúne gigantes processadores de soja como Bunge, Cargill e Louis Dreyfus, se comprometeu com os produtores na semana passada a não deixa faltar farelo de soja no mercado. E o governo federal afirma que irá vender em balcão até 800 mil toneladas de milho a pequenos produtores das regiões Sul e Nordeste, a preços subsidiados, para minimizar o problema.
Ainda assim, as medidas devem ser insuficientes. Na avaliação de dirigentes como Clever Pirola Ávila, presidente do Sindicato das Indústrias de Carnes e Derivados (Sindicarne), os preços estão se estabilizando em patamar “preocupante”.
O milho, que em regiões produtoras como Sorriso, no Mato Grosso, custa por volta de R$ 18 a saca de 60 quilos, subiu 37% nas últimas semanas e, com o frete, hoje chega a Santa Catarina e ao interior de São Paulo por volta de R$ 34. O farelo de soja está custando R$ 1,4 mil a tonelada, mas pode bater em R$ 1,7 mil em algumas regiões. “Para quem pagava R$ 600 no ano passado, é muito dinheiro”, diz o dirigente do Sindicarne.