Resiliência na superação de crises é um entre os tantos dogmas que a direção da Korin gosta de repetir. A empresa, criada por imigrantes japoneses ligados à Igreja Messiânica, sabe os desafios que tem pela frente para se consolidar como uma fornecedora nacional de alimentos saudáveis. O primeiro é aumentar a escala de produção. O segundo, consequência do primeiro, é reduzir seus preços em gôndola para ganhar mercado.
Há três décadas no país, a Korin (lê-se Kô-rin) ganhou autossuficiência econômica e atingiu a marca de R$ 60 milhões de faturamento em 2012. O portfólio de 60 produtos ainda registra um buraco nas contas em praticamente todos os segmentos – de hortaliças, verduras, legumes e frutas a mel, café, água e insumos para o solo. São as suas 9,2 mil toneladas de frango e 9,6 milhões de ovos por ano, os campeões em vendas, que carregam a Korin nas costas. “São os produtos mais conhecidos”, diz Reginaldo Morikawa, diretor da empresa. “Até 2007, era a Igreja que nos financiava. Em 2008, passou a ser o frango”.
Galinhas comem ração 100% vegetal e descansam sob árvores e em poleiros.
Toda a produção, livre dos males associados à agricultura convencional, é realizada nos 172 hectares de área agrícola e industrial da Korin em Ipeúna, no interior de São Paulo. As plantações não recebem agrotóxicos. As galinhas poedeiras comem ração 100% vegetal, descansam sob a sombra de árvores e em poleiros – para “expressar o seu comportamento natural”, como explica Juliana Pereira, coordenadora de produção de ovos. Os frangos de corte não recebem antibióticos ou promotores de crescimento. As aves são ventiladas automaticamente quando a temperatura bate nos 27º C, e todas têm bicos – na produção em granjas convencionais, os bicos são cortados para que elas não se firam sob o estresse do confinamento.
Talvez por essa razão a Korin tenha caído nas graças dos pediatras, que passaram a indicar a marca às mães que buscam uma alternativa de alimentação saudável para os filhos. “As pessoas que compram Korin sabem o que estão comprando, mesmo que não tenha nada escrito na caixinha”, afirma Morikawa, referindo-se às três certificações que a empresa possui – a de alimentos orgânicos, livre de antibióticos (AF, na denominação internacional) e a de bem-estar animal.
Uma vez por ano, funcionários do abate oram pela alma dos animais mortos.
Formado ministro pela Igreja Messiânica e a poucos anos de galgar a posição máxima de reverendo, o executivo explica que a filosofia que norteia as ações da Korin (anéis de luz, em japonês) está intrinsecamente ligada à dos messiânicos. Não à toa, seu rebanho de 1,5 milhão de devotos no país responde pela maior parte da clientela. E três dos sete diretores da Korin têm igual status religioso (embora pertencer à Igreja não seja uma condição sine qua non para trabalhar nela).
Por filosofia, Morikawa diz respeito à maneira de enxergar a agropecuária e o seu modo de produção. Solo sadio, diz ele, produz não só plantas e animais sadios, mas homens sadios. Além do bem-estar animal, a Korin também tem a tradição de orar por eles uma vez por ano, sempre no mês de agosto. “Pedimos a Deus que as aves que abatemos sejam salvas no mundo espiritual”, diz o executivo. O culto envolve todos os funcionários que participam dos abates, além de membros da diretoria e convidados, e serve para zerar as dívidas espirituais geradas com a morte.
O lucro também é tratado sob uma perspectiva mais próxima à de uma organização não governamental do que de uma empresa convencional. “Não fazemos o capitalismo clássico. Todo o nosso lucro é revertido para a companhia”, garante Morikawa, que, como os seus pares na empresa, não recebe bônus.
Segundo ele, o sucesso da marca se deve ao apelo à saúde alimentar. A Korin não faz campanhas em mídia. Seus produtos, especialmente as carnes e ovos, vêm sendo disseminados pelo boca-a-boca e através das muitas palestras com consumidores, professores, nutricionistas e médicos, todos compradores potenciais ou formadores de opinião.
Calcados na tradição japonesa de agricultura, a Korin começou seu negócio no país nos anos 1970, com a produção de vegetais orgânicos. Mas o divisor de águas para o negócio veio só em 1994, época em que o frango tornou-se a bandeira de consumo do Plano Real, e a empresa vislumbrou a necessidade de atender esse mercado de forma sustentável. “A gente entrou na contramão, com um conceito de bem-estar animal contrário ao de criação em massa e ostensiva”, afirma Morikawa.
De lá para cá, a Korin passou a centrar seus esforços na criação de aves sem antibióticos, orgânicos e caipiras, variedades que respondem hoje por pouco mais de 85% do faturamento da empresa.
Com os frangos, os mentores da ideia esperavam também estimular a cadeia produtiva de alimentos orgânicos no Brasil, já que as aves necessitam de milho e soja para a ração. “Isso fazia todo o sentido para a filosofia messiânica da Korin”, diz Cecilia Ifuki Mendes, gerente da Qualidade e Desenvolvimento de Produtos.
A entrada no segmento de carnes resultou em uma rede de 25 produtores de frango de corte parceiros da Korin, um produtor de ovos e cinco de milho. O modelo de parcerias se estendeu também para as hortaliças e outros produtos em que a empresa passou a atuar, agregando no entorno de Ipeúna mais 27 produtores rurais que seguem os preceitos de produção Korin para entrega.
A verticalização também teve papel crucial na sua expansão. Com um investimento médio de R$ 1,7 milhão nos últimos anos – que bateu o recorde de R$ 2,8 milhões no ano passado -, a Korin planta parte do milho que utiliza como alimento das aves (o custo mais alto da empresa), passou a produzir sua própria ração vegetal e, de quebra, criou um insumo para o solo, usado para recuperar as condições naturais da terra.
A empresa afirma que as iniciativas surtiram efeito: a produção de frangos de corte passou de 500 toneladas por dia, em 1994, para 16 mil toneladas em 2012 (episódios de gripe aviária e vaca louca no meio do caminho deram um empurrãozinho nesse desempenho). Às 20 mil galinhas poedeiras próprias e 17 mil de seu produtor parceiro serão acrescidas em março outras 40 mil, como forma de turbinar o setor de ovos, que em 2012 fechou no azul pela primeira vez.
O desafio, porém, continua sendo ganhar escala nacional e reduzir os preços de seus produtos, ainda muito acima da capacidade de compra da maior parte da população brasileira. Um frango orgânico Korin congelado pode chegar a R$ 16 o quilo.
Uma alternativa na qual a companhia aposta é investir em franquias de lojas. Além de elevar seus pontos de venda no país, a medida reduziria a dependência das grandes redes varejistas – com suas margens elevadas.
Essa opção começou a sair do papel na semana passada, com a inauguração da primeira loja franqueada em Lauro de Freitas, a 15 quilômetros de Salvador. As próximas deverão ser no Rio de Janeiro e em São Paulo, onde a Korin já possui uma loja própria na Vila Mariana. “Uma das dificuldades de vender orgânicos é a concentração da produção no Sul e Sudeste”, diz Morikawa.
A empresa, que chegou a exportar em 2002/03 por três meses e desistiu diante do câmbio desfavorável, passou a olhar somente para o mercado interno. Para este ano, pretende colocar nas gôndolas sua primeira carne bovina AF, que será produzida em Mato Grosso do Sul em parceria com a Associação Brasileira de Pecuária Orgânica (ABPO). O segmento de legumes pré-lavados e embalados é outra aposta para os próximos anos, já que tem registrado bom desempenho nas operações da empresa.
A julgar pela demanda por alimentos saudáveis, a Korin poderá concretizar seu plano de se tornar uma empresa muito além da preferência das mães.