O ex-diretor financeiro da Sadia Adriano Ferreira ganhou ontem uma batalha na ação por responsabilidade civil iniciada pela empresa contra ele por conta dos derivativos cambiais que causaram perda financeira de R$ 2,6 bilhões à companhia em 2008.
Em uma decisão de dois votos contra um, a 4ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) decidiu encerrar o processo, em trâmite desde meados de 2009, sem julgar o mérito, atendendo aos argumentos da defesa de Ferreira. Como perdeu a ação, a companhia terá de arcar com os custos do processo.
O objetivo da ação da Sadia era que o executivo, considerado pela companhia como único responsável pelas perdas, ressarcisse o prejuízo bilionário com as operações.
Ferreira não quis comentar o assunto. A BRF-Brasil Foods, empresa resultante da fusão de Sadia e Perdigão, também não falará do tema.
O argumento de defesa aceito pelo Tribunal de Justiça foi o de que a assembleia geral ordinária de acionistas da Sadia referente a 2008 aprovou o balanço daquele ano sem nenhuma ressalva. O artigo 134 da Lei das Sociedades Anônimas determina que aprovação, sem reserva, da demonstração financeira exonera de responsabilidade os administradores e fiscais da empresa, exceto em casos de erro, dolo, fraude ou simulação. Dessa forma, os advogados de Ferreira entendiam que ele não poderia ser acusado pela empresa.
Na época, a assembleia de acionistas da Aracruz, companhia de papel e celulose que perdeu cerca de R$ 4,5 bilhões também em 2008 com instrumentos semelhantes aos usados pela Sadia, deixou registrada ressalva contra o diretor financeiro da ocasião, Isac Zagury.
O relator do caso de Ferreira foi o desembargador Enio Zuliani. Também foi mencionado que derivativos são instrumentos complexos e que a decisão de usar tal ferramenta não pode ter sido tomada por uma única pessoa. Além disso, foi lembrado que o processo administrativo sobre o caso, conduzido pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM), acusa também todos os membros do conselho de administração da empresa em 2008.
Também votou a favor do ex-diretor o desembargador Carlos Teixeira Leite. Já o desembargador Fábio Quadros registrou voto divergente, mas foi vencido.
A Sadia, agora uma subsidiária da BRF-Brasil Foods, ainda pode tentar reverter a decisão no Superior Tribunal de Justiça (STJ). Para tanto, porém, o pleito da companhia precisa antes passar por uma avaliação de admissibilidade do próprio Tribunal de Justiça.
Em abril de 2009, a decisão de processar Ferreira foi tomada pelos acionistas controladores da Sadia em assembleia, com base em relatório realizado pela firma BDO Trevisan, que apontava a inexistência de indícios de que o conselho de administração soubesse da contratação dos derivativos.
Ferreira, por sua vez, em entrevista concedida ao Valor naquela época, afirmava que a Sadia sempre teve “vocação financeira” e que o conselho de administração estaria informado dos derivativos. Os instrumentos que causaram a perda começaram a ser usados em 2007. Segundo o executivo, 80% do lucro da Sadia no primeiro semestre de 2008 – R$ 334,7 milhões – foi obtido com os ganhos de operações de alto risco.
Antes de obter a decisão favorável de ontem, Ferreira teve o pedido de encerramento do processo recusado em 1ª instância – contra a qual entrou com o agravo de instrumento e obteve resultado favorável em questão.
Ferreira ingressou na Sadia em 2002, como gerente financeiro, e teve rápida acensão. Foi despedido no momento em que a companhia comunicou as perdas ao mercado.
Ele também é autor de uma ação trabalhista contra a Sadia, iniciada em julho de 2009. O executivo busca os direitos para o período em que atuou como diretor estatutário (regime privado, de setembro de 2006 a setembro de 2008) e também ressarcimento por danos morais e materiais, alegando que a decisão da empresa de elegê-lo como único responsável pelas perdas prejudicou sua imagem e comprometeu o futuro de sua carreira.
As perdas da Sadia levaram à venda da companhia à rival Perdigão. A combinação das empresas deu origem a BRF, uma companhia com faturamento superior a R$ 20 bilhões. A operação, fechada em maio do ano passado, foi feita por meio de uma troca de ações e não envolveu dinheiro. Praticamente equivalentes em faturamento, a base acionária da Sadia compôs apenas 30% da nova sociedade, por conta dos prejuízos que carregava. Os acionistas da Perdigão responderam por 70%.