Os títulos do agronegócio tornaram-se este ano uma das principais alternativas de crédito para as agroindústrias, que enfrentam forte escassez de financiamento desde o estouro da crise financeira global há um ano.
Nos primeiros oito meses de 2009, o registro de financiamentos por meio desses papéis somou R$ 33,37 bilhões e pode ultrapassar R$ 50 bilhões até dezembro. O estoque desses títulos neste ano chegou a R$ 11 bilhões. Em 2008, os registros atingiram R$ 38,3 bilhões, segundo dados da BM&FBovespa, Bolsa Brasileira de Mercadorias (BBM) e Câmara de Custódia e Liquidação (Cetip) obtidos pelo Valor.
Tradings de commodities agrícolas e usinas sucroalcooleiras estão recorrendo aos papéis para obter crédito. Para atender à demanda do mercado, os títulos financeiros do agronegócio foram reestruturados com objetivo de evitar eventual “default” ou sua inclusão na lista de credores de empresas em processo de recuperação judicial. As operações, que antes exigiam apenas garantias de penhor, agora incluem também garantia de alienação fiduciária.
A Letra de Crédito do Agronegócio (LCA), um título emitido por bancos e lastreado em recebíveis de produtores – como Cédulas de Produto Rural (CPRs), duplicatas e notas promissórias rurais -, manteve-se como principal papel no mercado, apontam os dados. Mas os demais papéis, como Certificado de Depósito Agropecuário e Warrant Agropecuário (CDA-WA), Certificado de Direitos Creditórios do Agronegócio (CDCA), Certificado de Recebíveis do Agronegócio (CRA), também tendem a ter maior demanda no médio prazo.
A advogada Marina Procknor, do escritório Mattos Filho, afirma que a busca por CRAs começa a ter impulso a partir deste segundo semestre. Esses títulos são emitidos por companhias securitizadoras de direitos creditórios do agronegócio. “A CVM (Comissão de Valores Mobiliários) definiu [no fim do ano passado] as normas para o CRAs nos mesmos moldes do CRI (Certificado de Recebíveis Imobiliários)”, diz. Com isso, a demanda por esse título deverá crescer, uma vez que as regras foram definidas.
Marina afirma que os títulos do agronegócio são fontes alternativas de crédito para empresas que buscam financiamentos, sobretudo em instituições tradicionais, como o Banco do Brasil e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), e também em bancos comerciais. “Estes títulos não substituem outros canais de financiamento, agregam”.
Com a crise financeira global, os prazos de liquidação desses papéis, que eram de três a quatro anos, caíram para 360 dias, aponta o especialista Renato Buranello, do escritório Buranello Passos Advogados. “Não tem mais a flexibilização [de prazo] por causa da crise.”
A advogada Nathalie Cortes, também da Buranello Passos, informa que a reestruturação dos títulos também foi consequência da crise. “Depois que algumas empresas, sobretudo usinas e frigoríficos, entraram com pedido de recuperação judicial, os financiadores começaram a fazer essa blindagem”, diz. O artigo nº 49 da Lei de Falências e Recuperações (nº 11.101/2005) criou uma regra específica para os credores garantidos por propriedade fiduciária. O mecanismo foi instituído para garantir o direito e reduzir o risco do credor.
Os títulos têm atraído operadores do setor em razão do baixo risco, alta liquidez e da garantia lastreada na produção. O custo de operação é a taxa Selic mais 2% ou 3% ao ano. Com os juros em queda, o atrativo aumenta. Além disso, há os benefícios fiscais dos papéis. Ao usar os títulos, as agroindústrias não pagam Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) e os bancos emissores não precisam fazer o depósito compulsório de 25% sobre esses valores no Banco Central. Também não precisam cobrir 100% do risco das operações e ficam isentas de recolher 0,2% sobre cada operação ao Fundo Garantidor de Crédito (FGC), mecanismo de garantia de depósitos bancário até R$ 60 mil.
Na outra ponta, investidores pessoa física têm isenção de Imposto de Renda (IR) e são, assim, estimulados a trocar os tradicionais Certificados de Depósito Bancário (CDBs) por esses novos títulos. O alvo dos bancos são os clientes “private”, de alta renda. As tradings usam as LCAs, por exemplo, para captar recursos mais baratos no mercado e reduzir custos de carregamento de dívidas de produtores.
O crescimento do agronegócio no país e a redução dos juros deixam os papéis ainda mais atraentes no mercado.
Há discussões no governo sobre novas formas de incentivo ao uso de CDAs-WAs para financiar o carregamento de estoques de produtos. O governo poderia permitir, por exemplo, a “venda” dos papéis para que uma trading fizesse operação “compromissada” com bancos de atacado, impedidos de emprestar ao setor rural, com garantia de recompra futura. Atualmente, CDAs-WAs estão limitadas à emissão por armazenadores. Os bancos e o BC também debatem o uso dos títulos lastreados em cédulas de crédito rural para efeitos de cumprimento das aplicações obrigatórias em crédito rural. O Banco Central diz que não pode, mas alguns bancos têm operado dessa forma.