Redação (29/01/2009)- A crise econômica mundial está instalada e vai afetar o Brasil. As linhas de crédito internacionais sumiram, elevaram o custo dos financiamentos e os preços das commodities despencaram. Desta forma, o País já sofre com a redução dos investimentos, com o desemprego e ainda vai registrar uma queda na receita das exportações neste ano. O cenário mundial é crítico, na avaliação do empresário Lawrence Pih, mas o Brasil está em uma situação mais confortável se comparado ao resto do mundo devido à sua própria vocação: produção de alimentos.
"A demanda por commodities agrícolas vai continuar porque ninguém vai parar de comer. Além disso, a população mundial cresce 1,5% ao ano, são 100 milhões de pessoas a mais por ano e estas pessoas têm que comer", salienta Pih. Proprietário do Moinho Pacífico – instalado em São Paulo – o grupo planejava expansão a partir da instalação de um moinho em Cornélio Procópio e de uma indústria de alimentos derivados do trigo em Guarulhos (SP). Os projetos, contudo, foram adiados por causa da crise e da dificuldade de crédito. "Os empresários não podem correr riscos", afirma.
Governista assumido, nesta entrevista à FOLHA, Pih fala sobre macroeconmia, as medidas adotadas pelo governo para estancar a crise interna e a recente queda de um ponto percentual na taxa básica de juros, a Selic. ""Não acho que o Copom deveria ter baixado mais os juros. Acho que os empresários que defendem uma redução maior da taxa Selic não entendem de economia porque a baixa dos juros primários não vai resolver o problema do Brasil", diz. Controverso, o empresário também afirma que os triticultores devem ter garantia de preço mínimo e afirma ser contra o lobby da indústria moageira para forçar a entrada do grão a preços mais baixos. A seguir confira os principais trechos da entrevista:
FOLHA – A crise econômica mundial está instalada e certamente o Brasil já está sentindo os seus reflexos. Na sua avaliação, quais os principais impactos desta crise no País?
Lawrence Pih – É uma crise sem precedentes mundiais, a maior dos últimos 80 anos. Primeiro: estamos sentindo a falta de crédito e de linhas internacionais. Do universo de empréstimos do Brasil, 20% são linhas externas e com o congelamento do sistema financeiro desde outubro estas linhas desapareceram. E como temos mais demanda por crédito do que de oferta, o spread dos juros está subindo. Segundo: o Brasil exporta produtos primários e semi-manufaturados, que dependem bastante dos preços das commodities, e houve uma queda brutal nas cotações. Com isso, teremos uma receita de exportação muito menor do que seria em um ano normal, sem crise. O custo médio de uma empresa para capital de giro está, em média, em cerca de 40%, não para grandes empresas que têm um custo menor.
O Copom (Comitê de Política Monetária) foi muito criticado devido à redução de apenas um ponto percentual da taxa Selic, ficando em 12,75%. O senhor acredita que a redução deveria ser maior?
Não acho que o Copom deveria ter baixado mais os juros. O problema não é o juro primário é o spread, o depósito compulsório dos bancos, entre outras coisas. Tudo isso sem faltar da contração econômica, que gera mais inadimplência e, por isso, os bancos intensificam o custo do dinheiro de acordo com o grau de risco. São diversos fatores que influenciam o aumento do spread. Acho que os empresários que defendem uma redução maior da Selic não entendem de economia. A baixa dos juros primários não vai resolver o problema do Brasil. Concordo que os juros são altos, mas não se pode esquecer que tínhamos uma inflação altíssima. Além disso, temos uma economia diferente dos outros países com indexação do salário e dos custos de preços públicos (energia, telefonia, pedágio, etc) e estes itens juntos atingem 60% da economia. Então é muito mais difícil baixar a inflação no Brasil do que em outros países.
Na sua opinião o governo errou em alguma medida tomada para tentar estancar a crise econômica global?
O governo simplesmente está fazendo tudo o que é possível. A crise veio do exterior, tivemos o congelamento das linhas externas e se isso não tivesse ocorrido não teríamos esta situação hoje e ainda as commodities caíram quase metade do preço. Desde dezembro já tivemos desemprego e este processo deve continuar com previsão de que a economia cresça apenas entre 1% e 1,5% neste ano. Não podemos esquecer da interconectividade das economias, ou seja, se o primeiro mundo tem uma queda brutal de crescimento – em alguns casos até negativo – com certeza afeta o terceiro mundo. A China, que chegou a crescer 13% em 2007, deve crescer 6% neste ano. A Rússia, com a queda do petróleo, está em uma situação dramática, já perdeu metade das suas reservas. Por isso, se analisarmos com cuidado, números e fatos, sem emoção ou viés político, acho que o governo fez um trabalho excelente. Se não fosse o governo não teríamos US$ 200 bilhões de reservas e se não fosse isso a cotação do dólar estaria muito maior. Então, não só o governo fez a lição de casa, como fez muito bem se compararmos com outros países. Li recentemente um estudo que aponta que Holanda, Bélgica e Suíça estão a perigo, com as economias a beira de um colapso.
O senhor acredita que a crise tenha sido motivada pelo excesso de confiança na economia global baseado em um crescimento virtual?
O mundo estava vivendo acima das suas possibilidades. Houve excesso, irresponsabilidade dos bancos, dos mutuários, dos corretores, das pessoas que avaliaram os imóveis, das agências de classificação, dos bancos de investimentos e do governo americano através do Federal Reserve, que não supervisionou tudo isso. Todo mundo achava que estava muito melhor do que estava e fizeram dívidas monstruosas. Os Estados Unidos, como país, têm uma dívida que junto com custos futuros, está em US$ 110 trilhões, enquanto o PIB é US$ 14 trilhões.
Neste contexto o Brasil corria o risco de também ter um subprime semelhante ao americano a partir do excesso de crédito e dos prazos longos de financiamentos?
Estávamos indo por um caminho perigoso. A diferença é que o processo de endividamento no Brasil é incipiente e agora estancou. Os brasileiros não têm o hábito de comprar a prazo, em função da inflação passada. Agora se o processo não tivesse sido estancado seria criado um "subprime brasileiro" e teríamos um cenário mais sério.
Os principais produtos exportados pelo Brasil são commodities agrícolas que, no ano passado, tiveram uma forte baixa na cotação. O senhor, como empresário da indústria moageira de trigo, acredita em preços novamente altos?
A tendência é que os preços estabilizem e não acho que vão cair muito mais. A demanda por commodities vai continuar porque ninguém vai parar de comer. As commodities minerais talvez demorem um pouco mais para reagir, mas os alimentos não tem como. A demanda de alimentos é inelástica, não cai. A população mundial cresce 1,5% ao ano, temos 100 milhões de pessoas a mais por ano, e estas pessoas têm que comer. E o Brasil tem vocação para quê? Para produtos alimentícios. Então, comparando com o resto do mundo estamos relativamente melhores do que os outros.
No ano passado a indústria moageira trabalhou junto ao governo pela retirada da TEC (Tarifa de Exportação) do trigo importado do Hemisfério Norte e a consequência foi a queda dos preços do grão no mercado interno. O senhor acredita que este procedimento deve ser adotado neste ano novamente?
Sou totalmente contrário a esta política. Acho que o governo só pode retirar a TEC quando não tem mais trigo nacional. Daqui um ou dois meses deveremos iniciar o plantio da safra e se baixar o preço do trigo, que estímulo o produtor terá para plantar? Já tivemos um problema seríssimo na última safra. Apesar do câmbio de R$ 1,60 para R$ 2,30, o produtor não se beneficiou em nada. Naturalmente existe o lobby do setor moageiro, que vai pressionar, mas o governo tem que ter bom senso. Sou totalmente contra a retirada da TEC antes de vender toda a produção do trigo nacional e ainda temos mais de 3 milhões a serem comercializados. Até lá o governo deve simplesmente deixar o mercado em um nível de preços que dê alguma margem ao produtor.
O senhor acredita que a falta de estrutura logística instalada no Brasil pode prejudicar mais o exportadores e o comércio exterior, principalmente, neste período?
O Brasil não tem uma estrutura adequada porque o setor privado nunca teve recursos suficientes, sempre dependeu do setor público. Além disso, a Constituição tornou alguns gastos obrigatórios. O governo tem dificuldades para investir e a infra-estrutura é carente: armazenagem, portos, estradas, pontos de atracação de navios. O PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) vai ajudar um pouco, mas não dá para resolver 40 anos de problemas em apenas dois mandatos. Mas estamos melhor do que antes. Os programas sociais são difíceis de cortar, acredito que não ter comida é uma tragédia e a distribuição destas bolsas (sociais) não significam muitos recursos. A relação com o PIB não é significante, não chega a 1%.