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Economia

A importância da China para os Brics

O discurso oficial sobre a relevância dos Brics faz de conta que não vê a paquidérmica presença da China deformando qualquer comparação numérica.

A importância da China para os Brics

No quinto encontro de chefes de Estado do grupo conhecido como Brics – Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul – já é possível identificar certas tradições: como sempre, alguém lembrou, na reunião de cúpula, que, juntos, os cinco países representam 40% da população mundial, 20% do Produto Interno Bruto (PIB) global e quase 15% do comércio internacional, e alguém, na imprensa, comentou que, por sua colossal heterogeneidade e diferença de interesses, os Brics não conseguem chegar a um acordo e não irão a lugar nenhum. São duas constatações categóricas, ambas impressionantes. Por sua irrelevância. A longevidade dos Brics já exige que se olhe para eles além dos estereótipos.

O discurso – oficial – sobre a relevância dos Brics faz de conta que não vê a paquidérmica presença da China deformando qualquer comparação numérica. Retirem-se os chineses e os Brics minguam como um modelo publicitário em milagrosa receita de emagrecimento. Bem mais da metade do PIB dos Brics (12% a 14% do PIB global) é a China, sozinha, que responde, ainda, pela maior parcela do comércio intra-Brics. Sem os chineses, o grupo também teria sua população reduzida em 50%. Como lembram os analistas do blog Thediplomat.com, a China tem um PIB US$ 1,5 trilhão maior que o dos outros quatro somados e foi responsável por 70% do crescimento da parcela dos Brics no PIB global.

Por outro lado, quanto à heterogeneidade do grupo, em lugar de vaticinar o colapso dos Brics, ela só ressalta o notável trabalho diplomático que consegue levar os governos de países tão díspares insistirem em buscar algum ponto de contato, com reuniões regulares de autoridades e chefes de Estado, em trocas de informações e promessas de planos em comum, já desdobrados, agora, para ações conjuntas na África.

Brics tem 40% da população mundial e 20% do PIB
Na África do Sul, na semana passada, o presidente da Rússia, Vladimir Putin, comparou os Brics aos chamados “Big Five”, os grandes mamíferos alvo de caçadores: leão, leopardo, elefante, búfalo e rinoceronte, o que despertou de imediato ironias no país, já que seria um desastre reunir esses cinco em um mesmo ambiente fechado. Os países Brics, porém, são animais de outra fauna, e a gafe real de Putin foi, com a referência aos safáris, fazer lembrar o temor de que a China possa engolir os demais países do grupo com seu apetite por maior influência global.

A preocupação em se ligar aos chineses sem se tornar um apêndice da política externa da nova potência mundial orientou boa parte da discussão de bastidores sobre a criação do Banco de Desenvolvimento dos Brics e do mecanismo contingente de reservas que servirá como um colchão de liquidez para os cinco países. O mecanismo de governança das duas novas criações dos Brics terá de refletir de algum modo a pujança econômica da China, que será a maior contribuinte do arranjo de reservas e terá maior poder de alavancar, com seus próprios bancos, os empréstimos da futura instituição financeira do grupo.

O Brasil não perde em aproveitar os Brics para se aproximar desse gigante, que, como deixou claro o presidente Xi Jinping em seu encontro com a presidente Dilma Rousseff, na quarta-feira, demonstra entender as suscetibilidades dos sócios e interesse em corresponder às expectativas. Xi Jinping louvou a “parceria estratégica” dos dois países e disse estar interessado em fazer as empresas chinesas “explorarem as possibilidades” com o Brasil. Os chineses têm aumentado a compra de produtos manufaturados brasileiros, como pediu a presidente, mas não depende só da China fazer da relação bilateral um jogo produtivo para os dois países.

Há um ano, o Itamaraty mandou seis diplomatas, entre os melhores de seu curso de mandarim, estudar em um projeto de imersão na cultura chinesa. É pouca gente para muito país e tanta ambição no Brasil. Quando Dilma, em reunião com o novo presidente chinês, convida a China a investir nos projetos de infraestrutura do Brasil, o que salta à vista é a ausência de um estudo aprofundado sobre as oportunidades existentes para o know how chinês e os riscos de depender de um parceiro tão autossuficiente e cheio de enigmas.

Um executivo da construção civil que acompanhou animado a reunião dos Brics em Durban, na África do Sul, comentava que mantém uma equipe de engenheiros em território chinês para acompanhar a fabricação de partes, peças e equipamentos a serem usados em seus projetos no Brasil. “É muito mais barato, mas se não tivermos alguém olhando de perto, fiscalizando e checando, só vêm porcaria”, disse. É uma estratégia sensata: pedir ajuda aos chineses ou a qualquer outro sócio nos Brics, sem saber, de perto, o que pode vir como resultado, é correr riscos que poderiam ser evitados.

Os encontros regulares favorecidos pela existência dos Brics não podem ser subestimados, porém. Da oportunidade de conversar diretamente, em períodos regulares, sobre questões que afetam as relações entre os cinco países, a alianças políticas como a que levou ao manifesto apoio chinês à candidatura do brasileiro Roberto Azevedo à direção-geral da Organização Mundial do Comércio, os Brics pesam, somados, mais que a soma de cada país em sua ação individual nas instituições globais. Dificuldades como as que impediram os chefes de Estado de definir detalhes sobre o futuro banco dos Brics são naturais em organizações do gênero – a União Europeia pode dar alguns bons exemplos disso.

No ambiente internacional é grande a fauna composta de organizações e instituições zumbis, criadas em algum momento e sobreviventes à sua própria irrelevância. O grau de atenção e expectativa despertado pelos Brics mostra que, em sua quinta reunião, esse novo bicho global provoca muitas reações, menos indiferença. O Brasil é um dos maiores interessados em trabalhar para que esse animal não seja apenas um bicho de estimação dos futuros donos do mundo chineses, nem um ser exótico de plumagem colorida e pouco sentido prático.

Sergio Leo é repórter especial em Brasília e escreve às segundas-feiras

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