A Índia e os Estados Unidos anunciaram ontem um acordo que deverá quebrar o impasse na Organização Mundial do Comércio (OMC) envolvendo a implementação de compromissos assumidos em Bali (Indonésia) em dezembro.
Como o Valor antecipou na semana passada, Washington e Nova Déli retomaram as discussões e o resultado foi um compromisso importante para o presidente Barack Obama e para o primeiro-ministro Narendra Modi às vésperas de suas chegadas para a cúpula do G-20.
Pelo acordo, de um lado a Índia aceita enfim dar o apoio para a implementação do acordo de facilitação de comércio, o primeiro entendimento que a OMC conseguiu aprovar em 20 anos. As estimativas são de que a redução de barreiras nas alfândegas e de outras burocracias para reduzir custos pode resultar em ganhos de até US$ 1 trilhão.
Por sua vez, a Índia obteve dos EUA a garantia de que seu programa bilionário de subsídios para segurança alimentar não será contestado no Órgão de Solução de Controvérsias até que uma solução permanente para essa questão tenha sido aceita e adotada na OMC. Ou seja, a Índia obtém uma “cláusula de paz” para continuar dando subsídios para formação de estoques de alimentos que já superaram o limite legal autorizado.
O governo indiano vende o acordo com os americanos como mais liberdade para subsidiar seus agricultores. Na verdade, a Índia obteve o que já tinha conseguido em Bali, em dezembro. O que ganhou adicionalmente agora foi essencialmente o fim de qualquer ambiguidade, se é que existia, sobre a aplicação da “cláusula de paz”, evitando uma disputa na OMC.
Para Obama também trata-se de uma vitória, pois medidas de facilitação de comércio são consideradas essenciais por exportadores americanos sobretudo em emergentes ainda com potencial de crescimento.
Washington e Nova Déli vão agora submeter o acordo aos outros membros da OMC. Exportadores agrícolas vão estar especialmente atentos a detalhes do compromisso, para não dar carta branca para a Índia. A questão é sobre disciplinas para que Nova Déli possa ter liberdade de subsidiar sem gerar mais distorções no comércio mundial e sem agravar a insegurança alimentar de outros países.
O diretor-geral da OMC, Roberto Azevêdo, que se encontra na Austrália para a cúpula do G-20, saudou o acordo entre Washington e Nova Déli, dizendo que era indispensável, mas ainda precisava ser aprovado por todos os outros membros da entidade.
Aparentemente, o governo indiano percebeu o sentimento de crise na OMC. Ao bloquear sozinho um acordo que já tinha sido negociado, o país abriu uma crise sem precedentes no sistema multilateral, causando enormes incertezas entre seus parceiros.
Além disso, desta vez não houve divisão Norte-Sul, pois tanto países ricos como em desenvolvimento cobravam logo o fim do impasse. A rigor, a Índia não tinha apoio de ninguém.
A postura da Índia mostra também que sua posição era sobretudo motivada por política interna e não por razões econômicas, avalia outro negociador que acompanhou as discussões.
O comunicado dos líderes do G-20 em todo caso deve reiterar a implementação do acordo de facilitação de comércio.