O acordo de livre comércio entre a União Europeia e o Canadá, concluído na sexta-feira em Bruxelas, afetará exportações brasileiras e sinaliza crescentes dificuldades para o Brasil nas trocas globais.
O pacto foi possível após acerto sobre questões agrícolas que bloqueavam as negociações havia meses. Para os canadenses, o acerto é uma “bênção para os exportadores de carnes” especialmente – e o contrário para os brasileiros.
A cota para o Canadá exportar carne bovina para a UE passará das atuais 11.500 toneladas, com tarifa de 20%, para 50 mil toneladas livres de tarifa, dando enorme vantagem a seus produtores. A exportação fora da cota paga € 3.600 por tonelada, na média. O Canadá poderá vender qualquer tipo de carne bovina, não só a de melhor qualidade, desde que sem hormônio.
Os produtores de carne de porco ganham ainda mais. Sua cota passará para 81 mil toneladas sem tarifa, contra 4.600 toneladas hoje com tarifas variáveis e pesadas.
Os canadenses obtiveram ainda cota para exportar 3 mil toneladas de carne de búfalo sem alíquota. Carne de frango ficou fora a pedido canadense e também pelo pouco interesse exportador europeu. Produtos florestais, de mineração, de telecom e frutos do mar canadenses também terão benefícios.
Em contrapartida, a UE terá cota de 30 mil toneladas de queijo no Canadá sem tarifa. E poderá exportar mais facilmente vinhos e outros produtos agrícolas processados (PAP), além de carros de luxo.
Empresas dos dois lados terão ainda melhor acesso a compras governamentais. Sobretudo, haverá mais aproximação entre medidas técnicas no comércio, que hoje são a principal barreira nas trocas.
“Esta é a primeira vez que a UE assina acordo de livre comércio com outro membro do G-7 [países ricos] e é uma espécie de primeiro passo, um aquecimento, para a negociação com os EUA”, diz Alfredo Valladão, presidente do conselho da UE-Brasil, que busca estimular as relações entre Europa e Brasil.
“Vários problemas com o Canadá são os mesmos que com os EUA, sobretudo em matéria de regulação. O acordo não é só baixar tarifas, é harmonizar marcos regulatórios, reconhecimento comum de produtos. Isso é que é importante hoje. As maiores barreiras são medidas técnicas ao comércio.”
Se EUA e UE conseguirem negociar, poderão impor padrões globais. Quem quiser vender para os dois maiores mercados consumidores do planeta terá de se conformar com suas regras comuns. “Significa que o que a gente viveu com as exigências do sistema Reach [para exportação de produtos químicos] na Europa será multiplicado por milhões”, diz Valladão.
“Esse acordo com o Canadá estabelecerá alguns padrões para outras negociações”, avisou o presidente da Comissão Europeia, José Durão Barroso O comércio UE-Canadá, de mais de US$ 109 bilhões por ano, pode aumentar 23% com o acordo, segundo os europeus.
O Brasil está ameaçado de perder nos dois tabuleiros. De um lado, a UE já tinha avisado ao Mercosul que, em caso de fazer antes acordos comerciais com o Canada e os EUA, vai ter menos cotas (volume limitado, com tarifa de importação mais baixa) a oferecer para produtores de carnes do bloco do cone sul. Os europeus alegam que não tem capacidade “infinita” de abertura de seu mercado agrícola.
De outro lado, “diálogo exploratório” do Mercosul com o Canadá, para uma possível negociação, está engavetado. Até agora, apenas Brasil e Uruguai declararam que estavam prontos a negociar, elevando as dúvidas canadenses sobre as intenções do Mercosul.
Em junho, no exame da política comercial do Brasil na Organização Mundial do Comércio (OMC), o Canadá manifestou “preocupação” com “crescentes divisões no Mercosul sobre a futura direção do bloco”. Para o Canadá, a questão é como essas divisões afetarão a capacidade do bloco de acertar compromissos com terceiros países.
O acordo UE-Canadá deve levar dois anos para ser ratificado. Se até lá sair o acordo UE-Mercosul, o prejuízo pode ser reduzido.
Enquanto isso, outras ameaças surgem: o governo da Austrália fixou prazo de 12 meses para fechar um acordo de livre comércio com a China, hoje principal parceiro comercial do Brasil. Os australianos são concorrentes em exportações de minérios e carnes, por exemplo.