Uma pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), vinculado à Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE) da Presidência da República, aponta que o agro brasileiro é mais eficiente do que o dos Estados Unidos. Os produtores rurais daqui usam melhor os insumos (sementes, fertilizantes, defensivos, mão de obra, rações, entre outros) para produzir mais em menos área do que seus concorrentes norte-americanos.
Para chegar a este resultado, José Eustáquio Ribeiro Vieira Filho, pesquisador do Ipea, fundamentou seu estudo “Brecha Produtiva Internacional e Heterogeneidade Estrutural na Agricultura Brasileira” em um intrincado indicador chamado “Produtividade Total dos Fatores (PTF)”.
Este indicador apresenta uma relação entre o agregado de todos os produtos e o agregado de todos os insumos. Segundo o trabalho, esta relação tem crescido a taxas elevadas e crescentes no agro brasileiro. De 1975 a 2010, a média anual de crescimento da PTF no Brasil foi de 3,6%, taxa superior à verificada para os Estados Unidos, que foi de 1,9%.
“Reduziu-se as distâncias produtivas entre os dois países. A agricultura brasileira passou por fortes transformações nas últimas décadas, cresceu de forma intensa, gerando modernização, incorporando tecnologia e aumentando a produtividade, com estabilidade no uso da terra”, destaca José Eustáquio.
No entanto, o pesquisador chama atenção para o fato de que o agro brasileiro é competitivo, mas se sobrepõe ao dos Estados Unidos, por exemplo, se considerarmos apenas uma camada de produtores com acesso a tecnologias mais avançadas.
“A modernização agrícola gera benefícios apenas para um grupo de produtores. Existe ainda uma grande parcela que está fora deste ambiente favorável de acesso à tecnologia. O agro apresenta disparidades produtivas. Nesse sentido, é preciso fazer a inclusão tecnológica destes agricultores, ainda, marginalizados deste processo”, ressalta José Eustáquio.
Porém, de acordo com o pesquisador, ainda existem desafios enormes em promover o desenvolvimento inclusivo destes agentes produtivos. Descubra quais na entrevista abaixo:
Sou Agro: Explique a relevância do indicador PTF? Por que ele é recomendado para medir a eficiência de um setor, no caso o agro?
José Eustáquio Ribeiro Vieira Filho: O avanço da PTF é a diferença entre a taxa efetiva de crescimento da produção e a taxa de incremento do conjunto de fatores produtivos. Numa linguagem menos técnica, o crescimento da produção pode ser explicado, de um lado, pelo aumento da quantidade de insumos ou, de outro, pelo uso eficiente destes mesmos insumos.
Por exemplo, ao dobrar a área plantada de uma fazenda haverá automaticamente o aumento da produção. Mas, a eficiência do uso dos insumos pode ter ficado constante. Por analogia, se a produção aumenta e a quantidade de insumos se mantém constante ou diminui, há claro indício de que a PTF cresceu. Ocorre uma melhoria na eficiência do uso dos insumos: produz-se mais com o mesmo ou menos.
Como a PTF considera um conjunto de fatores produtivos, esta medida é indicada para mostrar a evolução dos ganhos de eficiência, o que implica de forma indireta em evolução tecnológica.
Ter um crescimento da PTF, como o Brasil teve de 1975 a 2010, é algo bom então? Se sim, por quê?
No Brasil, a evolução da produção se deve mais ao aumento da eficiência no uso dos insumos do que ao incremento da quantidade deles. Este avanço de 3,6% da PTF do agro brasileiro frente a 1,9% dos EUA – país tido como referência em tecnologia de ponta – mostra que os produtores rurais fizeram um esforço enorme de atualização e inovação tecnológica, incorporando estes ganhos de conhecimento à produção.
Seu estudo traz um percentual destes produtores especializados e da outra categoria que ainda não tem tanto acesso à tecnologia?
A dualidade presente no desenvolvimento da economia nacional como um todo é um problema que prejudica a inclusão produtiva de segmentos marginalizados tecnologicamente. Só para se ter ideia, 0,5% dos estabelecimentos agropecuários brasileiros respondem por cerca de 50% do valor bruto da produção.
Se dobrarmos este grupo e com tudo mais [leia-se, uso dos insumos] se mantendo constante, o País aumentará a produção agropecuária pela metade. Aumentar a produção dessa forma é produzir mais com sustentabilidade, pois os recursos escassos são economizados e usados de modo mais eficiente.
Então, como promover a inclusão tecnológica destes produtores? Que políticas públicas devem existir?
Podemos dividir os agricultores em três grandes grupos. O 1º, caracterizado pela extrema pobreza (produz de 0 a 02 salários mínimos mensais), engloba cerca de 3,2 milhões de estabelecimentos, está à margem da produção, bem como se mostra excluído de qualquer setor de atividade econômica, pois carece de estruturas básicas de organização produtiva (micro e macroeconômicas).
O 2º, considerado de baixa renda (produz de 02 a 10 salários mínimos mensais), possui 960 mil estabelecimentos agropecuários e deve ser assistido pelo governo com políticas de fomento e dinamização da produção, normalmente de base familiar. São produtores com reduzida capacidade de absorção de conhecimento externo, com baixo conteúdo tecnológico e com deficiências no âmbito gerencial e microeconômico.
O 3º é a riqueza agrícola, que envolve as rendas média e alta (mais de 10 salários mínimos mensais). Para este grupo, a capacidade de absorção tecnológica é um problema secundário. Porém, o ambiente macroeconômico favorável ao crescimento das vendas se torna essencial.
Assim, para ampliar a capacidade de absorção tecnológica dos agricultores é preciso repensar a educação rural, que deve ser planejada num horizonte de 15 a 20 anos. Já para facilitar a difusão tecnológica, é necessário repensar a extensão rural, que pode ser resgatada num período menor.
Cabe ao governo desenvolver assistência técnica que tenha capilaridade (integração entre as políticas federal e estadual), bem como incentivar a pesquisa de domínio público. Desta forma, o papel da Embrapa de nada adianta se a extensão rural for deixada de lado.