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Agronegócio precisa de choque de qualidade

<p>A preservação da condição do Brasil de grande fornecedor mundial de produtos agrícolas depende da solução de dilemas que dificultam as exportações brasileiras.</p>

Redação (01/09/2008)- O fracasso das negociações da Rodada Doha da Organização Mundial do Comércio (OMC) deixou uma tarefa ingrata para o agronegócio brasileiro: encarar a necessidade de um choque de qualidade e produtividade. A preservação da condição do Brasil de grande fornecedor mundial de produtos agrícolas depende da solução de dilemas que dificultam as exportações brasileiras e são "mascarados" pela crescente demanda mundial por alimentos.

A adoção de procedimentos mais duros nas áreas de defesa sanitária e o fim dos problemas de logística de transporte são apontados por especialistas como medidas essenciais para um país que pretende ocupar o posto de celeiro do mundo.

"O agronegócio brasileiro é altamente competitivo e demonstra elevado grau de qualidade. Mas o preço do acesso aos mercados é a eterna vigilância", sustenta o secretário de Comércio Exterior, Welber Barral. "É preciso acabar com os argumentos do outro lado", completa, referindo-se às barreiras técnicas aplicadas pelos países importadores aos produtos agropecuários brasileiros.

De acordo com dados do Ministério da Agricultura, as exportações do agronegócio cresceram 2,5 vezes nos últimos dez anos. Renderam US$ 58,4 bilhões no ano passado, ante US$ 23,4 bilhões em 1997. Mas o presidente da Associação Brasileira da Indústria Produtora e Exportadora de Carne Suína (Abipecs), Pedro de Camargo Neto, adverte que é preciso aproveitar o bom momento do setor para dar um novo salto de qualidade.

"Agora é a hora de começar um novo ciclo; não podemos achar que está tudo bem porque alcançamos uma posição de destaque", defende Camargo Neto. O representante da Abipecs bate forte na necessidade de erradicação da febre aftosa, que está no centro das restrições à importação das carnes bovina e suína brasileiras.

Os últimos casos da doença ocorreram no final de 2005 em Mato Grosso do Sul e no Paraná. "A situação melhorou muito nos últimos anos, mas não é aceitável que continuem sendo registrados focos da doença no País. Nos últimos 10 anos, houve cinco focos. É muito para quem quer ser referência nesse mercado", avalia.

Um levantamento inédito da Abipecs mostra que o Brasil poderia elevar em 1,171 milhão de toneladas as exportações de carne suína se a aftosa estivesse erradicada do território nacional. A venda adicional renderia US$ 3,5 bilhões somente neste ano. De janeiro a julho, os embarques de carne suína somaram 326,79 mil toneladas, o que correspondeu a US$ 876,72 milhões.

"Só a erradicação da aftosa abre novos mercados. Nós não vendemos para países importantes, como os Estados Unidos, o Japão, a Coréia do Sul e o México, porque não conseguimos ainda acabar com a doença", diz Camargo Neto.

A aftosa também emperra as negociações para exportação de carne bovina in natura do Brasil para os Estados Unidos e o Japão, mercados considerados exigentes em termos de qualidade. Além disso, há dificuldades pontuais nas vendas de carne bovina enlatada para os EUA. Esses embarques estão suspensos desde o início de julho por causa de diferenças nos critérios de avaliação do sistema de produção dos frigoríficos.

O diretor-executivo da Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes (Abiec), Luiz Carlos de Oliveira, explica que essa suspensão de embarques foi um procedimento necessário para a "harmonização" de procedimentos entre o Ministério da Agricultura do Brasil e o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA).

Apesar de argumentar que não foram descobertas falhas graves nos 20 frigoríficos credenciadas para venda para os EUA, ele lamenta o ocorrido. "A suspensão acaba arranhando a imagem do sistema de inspeção do Brasil; é um desgaste", afirma Oliveira.

"Certa tolerânica"

Os problemas de transportes também causam "certo constrangimento" ao agronegócio brasileiro, alerta o consultor de Logística e Infra-Estrutura da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), Luiz Antônio Fayet. Ele diz que os custos de logística no Brasil são quase o dobro dos norte-americanos, outra potência agrícola mundial. Além disso, só para acompanhar o crescimento do agronegócio nacional os portos brasileiros precisarão ter capacidade operacional de 170 milhões de toneladas em 2017. "Se queremos competir, precisamos investir pesado nessa área", avalia Fayet.

Para o secretário de Relações Internacionais do Agronegócio do Ministério da Agricultura, Célio Porto, as falhas de qualidade costumam ser minimizadas neste momento incomum, no qual a demanda por produtos agrícolas supera a oferta. "Há uma certa tolerância", resume.

O presidente da Associação Brasileira dos Exportadores de Frango (Abef), Francisco Turra, concorda com essa afirmação e conta que o setor foi "surpreendido" pela decisão da Índia de abrir seu mercado para o frango brasileiro, neste mês, a despeito das negociações bilaterais que se arrastavam há anos.

"Foi logo depois do fracasso de Doha", lembra Turra, referindo-se ao impasse criado pela decisão da Índia de não aceitar a proposta de acordo agrícola. "A demanda acabou falando mais alto".

O fato é que o naufrágio das negociações da Rodada Doha deixou o agronegócio brasileiro sem alternativa para a expansão de mercados para seus produtos – a não ser a adoção de medidas rígidas de controle e de fiscalização de doenças e pragas e de rastreamento de rebanhos.

Segundo Barral, as negociações de acordos comerciais podem ser relevantes para a derrubada de barreiras tarifárias e por trazerem no seu bojo acertos que diminuem a burocracia dos procedimentos de controle e de fiscalização sanitária. Entretanto, além de se prolongarem no tempo, as negociações de acordos de livre comércio entre o Mercosul e outros parceiros têm resultados incertos. A União Européia (UE) travou as discussões com o Mercosul, em 2005, justamente por não aceitar um grau razoável de abertura de seu mercado agrícola.

O chanceler Celso Amorim disse, duas semanas atrás, que ainda não há garantias de que a retomada dessas conversas será para valer. "É preciso voltar à mesa de negociação para testar se há possibilidade de acordo", afirmou Amorim.