Redação (06/11/2008)- A experiência do contencioso contra os subsídios norte-americanos ao algodão na Organização Mundial do Comércio (OMC) – processo que começou em setembro de 2002 -, não trouxe os resultados esperados. O Brasil saiu vitorioso, mas os custos foram altos e os principais subsídios ainda são aplicados pelos Estados Unidos. Só em custos processuais, saíram do bolso do produtor US$ 3,5 milhões, por isso, hoje o Brasil parece mais disposto a negociar, mesmo diante da eleição de um presidente democrata, historicamente mais conservador e protecionista da economia interna.
Entre os grandes produtos do agronegócio brasileiro, o etanol e a carne bovina são os que mais sofrem com barreiras comerciais, tanto tarifárias como técnicas, dos Estados Unidos. O etanol brasileiro precisa pagar uma tarifa de US$ 0,54 por galão (3,785 litros) para entrar no mercado americano. A carne bovina in natura não é autorizada a entrar naquele país, com argumento de risco sanitário.
Mas não há nestes setores, pelo menos neste momento, a intenção de abrir contenciosos na OMC. "Acredito que há muito mais margem para negociação do que para contenciosos", avalia a professora da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq/USP), Heloísa Burnquist. No caso do etanol, a negociação é algo muito mais possível, pois os EUA precisam do etanol brasileiro e não vão conseguir produzir internamente toda a demanda determinada pelo governo.
Além disso, segundo Marcos Jank, presidente da União da Indústria da Cana-de-açúcar (Unica), o posicionamento de Barack Obama durante a campanha foi muito favorável à presença de energias renováveis, o que deve ser positivo aos produtores de etanol do Brasil. Jank se refere ao compromisso de Obama de ampliar em mais de 60% o compromisso de produção e utilização de etanol. "Além da importância histórica e das mudanças profundas que deve deflagrar nos Estados Unidos, a vitória de Obama pode ser muito boa aos produtores brasileiros de etanol, pois durante a campanha ele levantou a hipótese de ampliar o volume de etanol utilizado no país para 225 bilhões de litros até 2030 e investir US$150 bilhões em energia renovável durante dez anos," comentou Jank.
Além de apostar no caminho da negociação, a Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carne Bovina (Abiec) afirma que não há ainda um fato concreto que possa gerar um contencioso na OMC. Luiz Carlos de Oliveira, diretor-executivo da entidade, explica que o que acontece é que as autoridades arrastam por anos o processo de avaliação desse risco sanitário para liberarem a importação de carne in natura. O processo começou, pelo menos, em 2001 e até agora ainda está nas fases iniciais de avaliação. "O processo regulatório americano é lento e protecionista e isso independe do presidente. Por isso, instauramos em abril deste ano uma reclamação comercial no Comitê de Medidas Sanitárias e Fitossanitárias da OMC, que funcionou como uma exposição dessa morosidade ao restante do mundo. Isso causou um mal estar aos americanos que, depois de abril, compareceram a duas reuniões para tratar do assunto", lembra Oliveira.
Para o setor algodoeiro a decisão das urnas americanas terá peso determinante na aplicação da vitória na maior disputa contra o subsídio agrícola americano na OMC. Pedro de Camargo Neto, um dos idealizadores do contencioso, quando foi secretário de Produção e Comercialização do Ministério da Agricultura (Mapa), discorda que o presidente eleito seja contra o livre-comércio e acredita que seu governo será positivo ao setor algodoeiro. "O antigo governo foi muito unilateral e um desastre para o livre-comércio. Acredito que será um governo mais sensível aos problemas internacionais", disse. Ele lembra que os produtores brasileiros não tinham como exportar diante da concorrência desleal do produtor americano, que possuía 40% do mercado mundial e tinha metade da produção custeada pelo tesouro americano.
Junto com o Canadá, o Brasil instaurou outro painel em dezembro de 2007 contra subsídios que os americanos concederam aos seus produtores agrícolas entre 1999 e 2002 e 2004 e 2005, com valor estimado de US$ 19 bilhões.
O governo brasileiro também participa de um outro contencioso na OMC, mas que não se trata de produtos agrícolas. Trata-se de processo que envolve a disputa entre os Estados Unidos e a Comunidade Européia referente a subsídios estatais envolvendo a Boeing e Airbus.
Ainda na tentativa de salvar as negociações da Rodada de Doha, o ministro das Relações Exteriores do Brasil, Celso Amorim, disse à agência Reuters, que é importante que as negociações da rodada sejam concluídas antes de o presidente eleito Barack Obama assumir seu novo posto em janeiro. "As coisas serão facilitadas para o presidente eleito Obama se nós conseguirmos finalizar a proposta até o fim deste ano. Isso vai livrá-lo de escolhas bastante difíceis no início de seu governo". O Brasil, tido como potência agrícola, é um dos defensores mais interessados em um acordo na rodada.