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Economia

Além do comércio com a Índia

O Brasil precisa ampliar os investimentos diretos e as relações políticas e diplomáticas com indianos.

Além do comércio com a Índia

 Brasil não pode repetir com a Índia a mesma relação de comércio colonial que construiu com a China, que importa produtos básicos e exporta bens manufaturados. Mais que isso: o país não deve depender só do comércio nas relações com os indianos – é preciso ampliar os investimentos diretos e as relações políticas e diplomáticas, inclusive se unindo para atacar o regime cambial chinês. A opinião é de Maurício Mesquita Moreira, economista-chefe do setor de integração e comércio do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). Até o momento, diz Moreira, a exportação brasileira para a Índia repete os termos dos chineses, isto é, concentrada em produtos básicos como açúcar.

“O Brasil precisa se antecipar para evitar que essa relação se consolide, como ocorreu com os chineses. No caso da China será preciso uma luta para mudar isso”, diz Moreira, que chegou ao Brasil ontem, a fim de participar de seminário no Instituto Fernando Henrique Cardoso (iFHC) hoje, quando falará do livro “Índia: uma nova China para as economias do Brasil e da América Latina?”, que deve ser lançado no início do ano que vem.

Pertencentes ao acrônimo Bric, que define as quatro principais economias emergentes – Brasil, Rússia, Índia e China – tanto Índia quanto Brasil experimentam, em 2010, um ano de forte crescimento. Mas enquanto o Brasil caminha para uma elevação no Produto Interno Bruto (PIB) superior a 7% pela primeira vez em 24 anos, a Índia caminha para seu 13º ano consecutivo com crescimento em torno de 7,5%.

Confira abaixo os principais trechos da entrevista ao Valor:

Valor: Por que devemos prestar atenção na Índia?

Moreira: As taxas de crescimento da Índia de 2000 para cá são impressionantes. A Índia não tem crescido tanto quanto a China, mas tem crescido mais que o Brasil. Eles têm 1,2 bilhão de pessoas e uma economia de US$ 1 trilhão. Em algum momento isso terá um impacto em termos de demanda de matéria-prima.

Valor: Podemos ter com a Índia uma relação mais diversificada do que temos com a China?

Moreira: Eu sou otimista. Se a Índia continuar crescendo a altas taxas e eliminar obstáculos como tarifas e custos de transporte, haverá pressão ainda maior para o Brasil se especializar em recursos naturais. Não há taxa de câmbio que elimine isso. Por outro lado, apesar da forte presença do Estado, a Índia tem setor privado importante e dinâmico, com empresas que se desenvolveram durante a proteção, mas são privadas.

Valor: Eles têm algo a aprender conosco?

Moreira: Sim. Eu não vejo nenhuma saída para a Índia sem que eles transfiram uma quantidade maciça de pessoas da agricultura para a indústria. Eles inventaram a exportação de serviços. Vendem US$ 6 bilhões por ano em serviços de informática aos EUA. O setor é importante, mas sua participação nos empregos na Índia é de 2%. E cerca de 90% dos trabalhadores está na informalidade. A Índia tem algo como zonas de exportação, como no caso dos parques tecnológicos. São encraves sem legislação trabalhista, onde não se paga o custo Índia e uma ideia é estender isso para a manufatura.

Valor: Isso é uma saída?

Moreira: Acho que é triste fazer dessa maneira, porque cria desigualdades imensas, mas o pior é não fazer nada. A Índia ainda tem 40% da população abaixo da linha da pobreza. Há urgência em trazer essas pessoas para o mercado de trabalho e a pressão política nesse sentido será cada vez maior. E se eles realizarem esse potencial, imagine a pressão que teremos sobre a indústria brasileira.

Valor: O que é preciso para intensificar o comércio com os indianos?

Moreira: Acho que agricultura é algo óbvio, porque temos grande potencial produtivo e eles vão passar por um grande processo de urbanização. Os indianos também não querem ver a China como potência hegemônica numa região que pode ser fornecedora de matérias-primas para eles. No caso da Índia, os obstáculos são muito evidentes, uma vez que eles gastam uma barbaridade com subsídios à agricultura, que é muito pouco produtiva. Eles não vão baixar os subsídios a zero do dia para a noite, porque sabemos o número de pobres que dependem disso.

Valor: O papel da diplomacia brasileira é intensificar as conversas por queda nos subsídios?

Moreira: Tenho impaciência com a retórica da diplomacia comercial na região latino-americana, que fala em plataforma Sul-Sul. Quando o Brasil entrou no debate econômico mundial, entrou dizendo que o mundo está em uma “guerra cambial”. Mas os indianos também estão assustados com o regime cambial chinês e nunca se usou essa diplomacia.

Valor: É preciso então reformar a diplomacia?

Moreira: A questão não é ideológica, mas sim de avançar na luta pelos nossos interesses. No caso da China isso não foi feito e agora estamos pagando o preço. É preciso entender que não há uma guerra cambial, mas um problema que tem nome e sobrenome. E não se trata de nada anti-China, uma vez que eles estão no papel deles.

Valor: Onde nossa relação com a China pode ajudar na intensificação de nossas relações com a Índia?

Moreira: Uma coisa que nós podemos aprender é não depender só do comércio.

Valor: Como assim?

Moreira: É preciso ter uma perna em investimento. Não apenas em investimento direto, mas também em economia política. Não podemos sustentar essa relação colonial imposta pela China, que importa matérias-primas e exporta manufaturados, obtendo superávits comerciais enormes. É exatamente a mesma relação comercial que estamos tendo com a China, muito concentrado em três ou quatro produtos.

Valor: Existe o risco de a Índia repetir a China?

Moreira: Existe, sim. O Brasil precisa se antecipar para evitar que essa relação se consolide, como ocorreu com os chineses. No caso da China será preciso uma luta para mudar. A diplomacia latino-americana tem sido muito ingênua, porque é puxada pelo interesse imediato dos exportadores.

Valor: Os radares atuais estão todos na China. É possível que a internacionalização de empresas brasileiras alcance a Índia?

Moreira: Sem dúvida, aliás, isso já acontece. A Marcopolo tem fábrica de ônibus lá, a Weg acabou de montar uma unidade e a Docol, uma empresa catarinense de metais sanitários também. Isso é algo ótimo, quer dizer, as empresas que já botaram o pé na Índia o fizeram numa fase distinta do que ocorre com a China, quando esse movimento só ocorreu depois do boom das commodities.

Valor: Podemos alterar nossa rota desde já?

Moreira: O desafio é exatamente esse, quer dizer, conseguir olhar minimamente além do curto prazo, como deveríamos ter feito com a China, que está crescendo forte desde a década de 1980 e só enxergamos agora. Era uma crônica de uma tragédia anunciada. Acho que essa síndrome de curto prazo, de se negar o óbvio que está vindo. A Índia já está no mercado internacional para valer, mas sua presença ainda é muito incipiente em manufaturados, que é o grande desafio em relação à China hoje. Estamos falando de um país gigante chegando depois de outro gigante que ainda não digerimos e estamos tentando entender.