As principais empresas do agronegócio com ações listadas ou registro na BM&F Bovespa deverão reportar em seus próximos resultados trimestrais uma dívida em moeda estrangeira pelo menos R$ 22 bilhões maior do que em 30 de junho, por causa da oscilação cambial desde então.
Esse grupo de 11 companhias, entre as quais quatro sucroalcooleiras e quatro frigoríficos, tinham no fim do primeiro semestre, com o dólar a R$ 3,10, uma dívida em moeda estrangeira equivalente de R$ 88,5 bilhões. Com a Ptax de ontem (R$ 3,8698), que já refletiu a perda do grau de investimento atribuído pela Standard & Poor’s, o valor atinge R$ 110,5 bilhões.
Apesar disso, argumentam executivos dessas companhias, boa parte das dívidas em moeda estrangeira dessas empresas, majoritariamente exportadoras ou produtoras de commodities agrícolas cotadas em bolsas internacionais, estão protegidas por receitas na mesma moeda ou por instrumentos de hedge para o passivo de curto prazo. Os frigoríficos, mais internacionalizados, também contam com “hedge natural” das operações no exterior. Há ainda casos como o da BRF, que adota a política de contabilidade de hedge (“hedge accounting”), diluindo o impacto da valorização do dólar sobre os resultados trimestrais.
Refratária tanto à prática da contabilidade de hedge quanto à tese do “hedge natural” – segundo a qual a receita em moeda estrangeira anula o impacto da variação cambial sobre a dívida no médio prazo -, a JBS faz o hedge de 100% de sua exposição ao dólar. A analistas, o presidente global da empresa, Wesley Batista, costuma repetir que o custo para manter as posições de hedge é conhecido, diferentemente do que acontece com o dólar, principalmente em períodos de instabilidade política e econômica no Brasil e no mundo.
No fim de junho, a dívida bruta em moeda estrangeira da JBS somava R$ 42,3 bilhões. Com a Ptax de ontem, o montante sobe para R$ 52,9 bilhões. Mas, por causa da política de hedge, a companhia não deverá acusar impactos negativos nos resultados deste terceiro trimestre. Pelo contrário. Conforme estimativa divulgada quarta-feira pelo banco Haitong (ex-BESI), a política de hedge resultaria em um ganho financeiro de R$ 3 bilhões caso o dólar encerre o trimestre a R$ 3,75. Mas a analista da instituição, Catarina Pedrosa, pondera que o custo dessa política de hedge é elevado, estimado por ela em mais de R$ 4 bilhões por ano.
Entre as empresas que contam com “hedge natural” estão as companhias que produzem soja, milho e algodão, como SLC Agrícola e Vanguarda Agro. Cotadas em bolsas americanas, essas três commodities, quando têm seus preços convertidos ao real, geram uma receita mais robusta, o que compensa eventuais reflexos das dívidas atreladas a moedas estrangeiras.
O mesmo não se aplica, ao menos neste momento, às companhias produtoras de açúcar, diz o sócio da consultoria FG Agro, Luiz Gustavo Torrano Correa. Ocorre que a guinada cambial coincide com um período de superávit global de açúcar. Como o Brasil é o maior exportador global da commodity, a reação natural à desvalorização da moeda brasileira nas bolsas internacionais é a retração dos preços em dólar. Trata-se de um “sinal” do mercado, que impede uma maior remuneração em reais às usinas brasileiras e um consequente aumento da produção local. “Em suma, a receita em reais está constante, mas a dívida em moeda estrangeira, não”, explica Correa.
Ainda que o principal da dívida tenha vencimento no longo prazo, em grande parte das empresas do agronegócio, há um custo anual que incide sobre esse débito em moeda estrangeira. Neste momento, a base sobre a qual incide esse custo está pelo menos 25% maior que no dia 30 de junho – se não houve novas captações em dólar ou amortizações. É o efeito direto da valorização da moeda americana na mesma proporção nesse intervalo – considerando a Ptax de R$ 3,8698 de ontem.
É preciso considerar, ainda, que a perda do grau de investimento também tende a tornar mais caro o crédito para as empresas no Brasil. O aumento do risco no país deverá atrapalhar tanto novas captações como a renegociação de débitos já existentes em moeda estrangeira.
A oscilação cambial até 30 de junho – que, no caso do dólar foi uma alta de 40% ante o real em 12 meses – elevou os gastos da Tereos Internacional com pagamento de juros. A companhia, que tem 90% de seu endividamento em moeda estrangeira, destinou no trimestre encerrado em 30 de junho R$ 72 milhões para pagar o serviço da dívida, R$ 17 milhões a mais que um ano antes.
Para contrabalançar o aumento de despesa com juros decorrentes do dólar mais valorizado, a Minerva Foods, terceira maior produtora de carne bovina do Brasil, adota como política tanto instrumentos efetivos de hedge para o passivo de curto prazo quanto as receitas de exportações ou das operações no exterior.
“Tratamos de maneira diferente a exposição ao dólar do principal e dos juros”, disse o diretor de finanças da empresa, Edison Ticle. No caso da dívida principal em moeda estrangeira, 40% estavam protegidos por instrumentos de hedge no fim do segundo trimestre, como Ticle realçou em teleconferência com analistas. Ao Valor, ele argumentou que, ainda que use instrumentos de hedge, a Minerva não tem uma grande exposição. “Tem proteção natural das exportações e dos efeitos do dólar nas operações internacionais”. Hoje, 40% do Ebitda da empresa de carnes é gerado nas unidades fora do Brasil.
Na avaliação da Marfrig, segunda maior produtora de carne bovina do Brasil, a receita das exportações e as operações no exterior “absorvem o efeito da paridade cambial no pagamento de juros, mantendo o fluxo de caixa”. Além disso, a empresa informou que o percentual das despesas financeiras que sofrem impacto cambial (75%) está em linha com as receitas em moeda estrangeira. A Marfrig também destacou, em nota, que sua dívida líquida pro forma em dólar diminui de US$ 3,3 bilhões para US$ 1,8 bilhão considerando a venda da Moy Park para a JBS.
A Biosev, segunda maior processadora de cana do país, teve no trimestre terminado em 30 de junho uma despesa com pagamento de juros de R$ 140,7 milhões, 125% mais que um ano antes. Nos 12 meses encerrados em junho, a dívida em moeda estrangeira da empresa cresceu 40%, para o equivalente a R$ 5,1 bilhões. Se o dólar se mantiver em 30 de setembro no mesmo patamar de ontem, esse valor crescerá para R$ 6,3 bilhões.