“Adquira agora mesmo uma empresa em condições especiais: pague uma pequena entrada e financie o resto em até oito anos.” O anúncio é fictício, mas se existisse não estaria longe de retratar um procedimento cada vez mais comum no mercado brasileiro: o uso de dívida em processos de fusões e aquisições.
Grandes negócios fechados ao longo deste ano ocorreram com financiamento, em parte ou totalmente. Foi o caso da compra da empresa de loteamentos Alphaville pelas gestoras de fundos de private equity Blackstone e Pátria, por R$ 1,4 bilhão, dos quais R$ 800 milhões foram pagos com uma emissão de dívida.
Em novembro, a Unipar também obteve um empréstimo de R$ 550 milhões para adquirir a participação de 50% que ainda não detinha na indústria química Carbocloro.
Conhecida como “aquisição alavancada” no jargão de mercado, a prática é comum no exterior, mas ainda é limitada no país em razão do histórico de altas taxas de juros.
Os potenciais financiadores das aquisições são os bancos ou até mesmo os próprios donos das empresas. Há casos de eles aceitarem receber o valor da venda do negócio a prazo. Existe ainda uma terceira alternativa a esse tipo de aquisição. Vale-se da emissão de títulos de dívida a investidores no mercado local ou externo, mas é menos comum.
A principal vantagem do uso do financiamento é o custo menor em relação ao capital próprio, segundo especialistas. A operação, porém, é mais arriscada e pode, em tese, levar à quebra da companhia caso as receitas esperadas após a aquisição não façam frente ao pagamento da dívida.
Casos assim ocorreram, por exemplo, após a crise financeira de 2008, quando a economia global sofreu uma súbita parada e as linhas de crédito dos bancos secaram.
No país, as aquisições alavancadas foram impulsionadas pelos fundos de private equity, que compram participações em empresas com o objetivo de revendê-las com lucro no futuro. Com o uso de dívida, os fundos conseguem aumentar o retorno potencial dos investimentos.
A gestora americana Carlyle é uma das que se vale com frequência de aquisições alavancadas. Há algumas semanas, uma das empresas do portfólio do fundo, a rede de agências de turismo CVC, realizou uma oferta pública inicial de ações (IPO, na sigla em inglês) na BM&FBovespa.
O Carlyle comprou o controle da companhia no início de 2010, por R$ 700 milhões, mas só desembolsou R$ 380 milhões. Os demais R$ 320 milhões vieram de uma dívida contraída pela própria CVC com Guilherme Paulus, o antigo controlador da companhia.
Com a abertura de capital três anos depois, a empresa foi avaliada em pouco mais de US$ 2 bilhões, mais que o triplo do valor investido pelo fundo, conforme os cálculos de mercado. Sem a alavancagem, o retorno seria mais modesto e teria ficado em pouco menos de 90%.
A expectativa é que os financiamentos para aquisições de empresas se mantenham em ritmo forte em 2014, apesar do processo de aperto monetário.
“Com a alta dos juros, o custo de capital também aumenta, o que mantém a operação interessante”, diz Leandro Miranda, diretor de renda fixa do Bradesco BBI. O banco financiou um total de 18 negócios neste ano, no valor de R$ 7,5 bilhões.
Além do spread na concessão do crédito, a participação nos processos de fusões e aquisições permite aos bancos ganhos potenciais em outras áreas, afirma o superintendente-executivo de mercado de capitais do HSBC, Antonio Marques de Oliveira.
Entre os serviços adicionais estão a gestão da folha de pagamento das empresas e até a assessoria em uma possível abertura de capital. Os bancos também concedem fiança em negócios com pagamento a prazo, ou seja, caso o comprador não honre as parcelas, a instituição financeira assume o pagamento ao antigo dono da empresa.
O uso de dívida ainda conta com a vantagem tributária, já que o serviço da dívida é dedutível de imposto, segundo o executivo do HSBC, banco que financiou aquisições como a das torres de telefonia da Oi pela BR Towers, empresa da gestora de private equity GP Investimentos.
O atual cenário de desaquecimento da economia brasileira deve estimular os processos de fusões, segundo Ricardo José de Almeida, professor de finanças do Insper. “Os ganhos proporcionados pela sinergia das operações contribuem para compensar a eventual redução da demanda”, afirma.
O uso de dívida aumenta o risco, mas proporciona um retorno maior sempre que o custo do financiamento se mostrar menor que o ganho esperado no negócio, diz Almeida. “Mas quanto maior a dívida, menor o ganho potencial com a operação”, afirma.
Nesse cenário, as empresas brasileiras estão, em tese, em situação menos favorável para serem alvo de aquisições alavancadas, já que o grau de endividamento hoje é superior ao da época da crise financeira internacional de 2008.
“Mas as companhias que costumam ser alvo dos fundos em geral têm poucas dívidas”, afirma o executivo de uma grande gestora de private equity, que pediu para não ser identificado.
Isso não significa que, necessariamente, todas as aquisições com dívida sejam vantajosas. “Para as companhias menores, os custos de financiamento em geral são mais altos, o que torna o negócio mais arriscado, isso quando existe essa opção”, diz.