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Argentina amplia barreiras contra o Brasil

Os vizinhos promoveram ontem uma nova rodada de licenças não-automáticas, mecanismo que dificulta a entrada de produtos brasileiros no país.

Redação (06/03/2009)-  Em meio às delicadas negociações com o Brasil para reduzir o déficit bilateral, o governo da Argentina promoveu ontem uma nova rodada de licenças não-automáticas, mecanismo que dificulta a entrada de produtos brasileiros no país. No total, 58 posições tarifárias foram somadas ao sistema. Conforme resolução publicada no Diário Oficial da Argentina ontem, foram incluídas 23 novas posições tarifárias para os setores têxtil (14), objetos do lar (5) e produtos metalúrgicos (4). Também foi criado uma nova licença de importação para produtos variados, na qual estão 35 posições tarifárias, mas o boletim não especifica quais os setores atingidos por essa novidade. A medida vai funcionar como uma espécie de "ameaça" na negociação entre os dois países. Segundo a resolução, as novas licenças não-automáticas só vão vigorar dentro de 20 dias corridos, ou seja, 25 de março. Nesse período, a reunião entre os técnicos dos dois governos, em Buenos Aires no dia 12, e a visita da presidente da Argentina, Cristina Kirchner, a São Paulo, já terão ocorrido. 

De acordo com fontes do governo argentino, essas licenças só devem efetivamente entrar em vigor se os setores privados dos dois países não conseguirem chegar a um acordo. Se o acordo for alcançado, o governo não deve implementar a medida. 

Nas contas do governo brasileiro, as licenças não-automáticas de importação atingiram 10% das exportações brasileiras enviadas pela Argentina em 2008. A chancelaria argentina contesta essa informação e diz que não passa de 4%. O ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, esteve ontem a noite na Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) para tentar convencer a entidade a apoiar os acordos voluntários. Até o fechamento desta edição, ele não havia falado com a imprensa para comentar as novas barreiras argentinas. 

As medidas do país vizinho pegaram o governo brasileiro de surpresa. Ontem à noite, o assessor especial da Presidência da República, Marco Aurélio Garcia, desconhecia a publicação do Diário Oficial argentino. Alegando que não negociaria pela imprensa, ele insistiu na tese do governo brasileiro de que o momento não é para medidas protecionistas. "O protecionismo pode parecer um alívio no curto prazo, mas não é positivo para prazos longos", argumentou. 

Ontem, governo, industriais, banqueiros e sindicalistas argentinos saíram a público para dar apoio às medidas protecionistas tomadas pela presidente Cristina Kirchner e questionar as declarações de funcionários públicos e empresários brasileiros contra as mesmas medidas. Em nota divulgada à imprensa quarta-feira, o subsecretário de Política e Gestão Comercial do Ministério da Produção, Eduardo Bianchi, disse que a aplicação de valores-critério (um preço mínimo para a entrada de produtos importados no país) e licenças não-automáticas afetou apenas 4% dos produtos importados do Brasil. 

"No caso de licenças não-automáticas, a Argentina monitora com esse instrumento pouco mais de 200 produtos. Dessa maneira, apenas 7% das exportações do Brasil à Argentina estão envolvidas com estas medidas. Já o Brasil aplica licenças não-automáticas a 50% das exportações argentinas ao Brasil", afirmou Bianchi, na nota, sem referência às novas barreiras. Segundo ele, a queda das exportações brasileiras para a Argentina em janeiro de 2009 se explicou fundamentalmente pela forte diminuição do comércio automotivo entre ambos. Disse que em 2008 o Brasil registrou um aumento de exportações de 13% nos produtos sujeitos a licença não-automática, o que desmente que essas medidas tivessem afetado as vendas do Brasil à Argentina. 

Para o economista Dante Sica, diretor da consultoria Abeceb.com, a forte queda (cerca de 50%) do comércio bilateral vai trazer de volta o mecanismo de auto-limitação de vendas que vigorou entre 2003 e 2007. Esse mecanismo, acompanhado de perto por uma comissão de monitoramento bilateral, estabelecia cotas e "vigiava" o comércio de uma lista de 20 produtos considerados sensíveis (à concorrência estrangeira). 

O sistema foi criado para ajudar na recuperação da indústria argentina depois da bancarrota de 2001. Com o país crescendo a taxas entre 8% e 9% ao ano, em 2007 esse sistema perdeu um pouco o sentido, diz Sica. "A partir do fim de 2007 e também em 2008, muitos destes acordos que venciam não eram renovados." Isso porque, diz, a demanda do mercado interno argentino era tão grande que tinha espaço para todos os fornecedores, do Brasil e de outros países. 

Com a crise internacional, entretanto, o cenário mudou. O governo argentino levantou uma série de barreiras à entrada de produtos importados em geral, afetando, em parte, as exportações brasileiras. Sica, que acompanha de perto o comércio exterior Brasil-Argentina, diz que, ao contrário do que alegam os empresários dos dois lados, não está havendo enxurrada de importações de produtos asiáticos. "Há um crescimento de cerca de 10% em alguns poucos produtos." Além disso, segundo ele, embora pareça que brasileiros e argentinos tenham cálculos diferentes para as perdas, na verdade estão dizendo a mesma coisa, porém de pontos de vista distintos. 

O impacto das medidas tomadas pela Argentina – licenças não automáticas, valores-critério e processos antidumping – sobre as exportações brasileiras é de pouco mais de 9%. No entanto, o governo argentino não considera os processos antidumping – alega que não é decisão do governo, embora uma das medidas tomadas por causa da crise tenha sido exatamente agilizar a análise e resultados dos processos. As licenças não-automáticas, segundo Dante Sica, não atingem bens de capital e semimanufaturados, mas estão altamente concentrados em bens de consumo final e neste caso, "afetam muito mais que 10%".