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Argentina, o que fazer com esse vizinho?

Os produtos brasileiros sujeitos a barreiras impostas pelos argentinos ocupam 11% do total das vendas brasileiras ao mundo.

Redação (23/03/2009)- *Levantamento da Confederação Nacional da Indústria, a CNI, mostra bem como funciona o jogo protecionista argentino com o Brasil, uma gangorra que segue os altos e baixos do ciclo econômico. A resposta sobre como lidar com o vizinho problemático, claro, está no terreno da política, não em pretensas certezas econométricas. Como todo bom levantamento estatístico, o estudo da CNI tem argumentos para advogados de defesa e de acusação no debate sobre a conveniência de aprofundar ou esfriar a relação com a Argentina.

Sem contar os produtos da indústria automobilística, sempre sujeitos a um comércio administrado, os produtos brasileiros sujeitos a barreiras impostas pelos argentinos ocupam 11% do total das vendas brasileiras ao mundo. Em 2003 e 2004, esse percentual estava em torno de apenas 4%; ponto para a acusação contra os argentinos. Mas em 2007, o índice era maior, de quase 12%. Ponto para a defesa.

Com as medidas de controle das importações adotadas no início do ano, a Argentina pode retornar aos patamares de 2007. Isso, acusadores e defensores confirmarão mais à frente. Até 2007, eram 58 os produtos brasileiros sujeitos a licenças não-automáticas na Argentina; a resolução 61, de 4 de março, aumentou a lista para 199, de fecho éclair a máquinas agrícolas, debulhadoras. São 36 os produtos sujeitos a sobretaxações, acusados de dumping.

Em favor dos argentinos, eles próprios lembram que certas medidas adotadas pelo Brasil, como vantagens em financiamento e tributos, dão às mercadorias brasileiras uma competitividade desproporcional em relação aos sócios. Admitem, porém, que estão em desvantagem, em grande parte, por culpa deles mesmos, de decisões passadas da sociedade argentina, que desmontou seus mecanismos de política industrial, guiada pela na crença religiosa nos preceitos do liberalismo ortodoxo.

Os argentinos argumentam que querem espaço para dar força às suas indústrias. Daí o protecionismo. Mas o documento da CNI nota que, em vez de dar proteção à indústria nascente até que ela ganhe força nas pernas para caminhar sozinha, o que os argentinos vêm fazendo é um permanente berço de ineficiência para setores que, há anos, resguardam-se atrás de barreiras contra o mundo, inclusive os sócios do Mercosul.

Os setores de eletrodomésticos da linha branca, papel e calçados confiam, há anos, em um regime de licenças não-automáticas contra importações brasileiras, mesmo quando a indústria local já se encontrava resguardada por acordos de restrição de vendas por parte dos concorrentes brasileiros. Na área têxtil, após anos de acordos de limitação de vendas, a Argentina passou a submeter os têxteis brasileiros ao regime de "preços critério", preços de referência acima dos quais as importações de qualquer origem, inclusive do Brasil, são sobretaxadas. O Brasil tem um regime semelhante, só para importações da Ásia.

Os empresários brasileiros se dividem em relação aos acordos de limitação de vendas, como os que tentarão negociar nesta semana com os argentinos. Parte do setor privado vê nesses acordos um instrumento para resguardar sua fatia no mercado argentino. Outros apontam as dificuldades para administrar as cotas de exportação, diz a CNI.

Há consenso, no entanto, sobre a terrível falta de transparência e as dificuldades de planejamento e investimentos que esses mecanismos criam para as empresas. A permanência desses acordos só abre espaço para mais demandas argentinas por mecanismos de proteção, reclamam alguns empresários.

Os defensores da política de "generosidade" com os argentinos se apoiam no fato, inquestionável, de que o Brasil manteve superávits comerciais gigantescos com a Argentina, mesmo durante o período de forte valorização do real em relação ao dólar. Essa condição de bom cliente da Argentina explica o cavalheirismo com que a presidente Cristina Kirchner foi recebida, na semana passada, pela Federação das Indústrias de São Paulo, que recomendou aos sócios evitar reclamações. O presidente da Fiesp, Paulo Skaf, chegou a avisar ao governo que seria um "anfitrião impecável", mesmo que os argentinos baixassem medidas protecionistas no mesmo dia da visita.

Os próximos dias serão de trabalhosas negociações com a Argentina, para estabelecer as condições de comércio para grande quantidade de mercadorias vendidas ao vizinho, numa pragmática violação das regras da união alfandegária que o Mercosul tenta ser em vão há mais de década e meia. Seria conveniente que os acordos firmados estabelecessem portas de saída, e que os governos aproveitassem a disposição negociadora para esforçar-se em criar mecanismos compensadores, de aprofundamento da integração, desmoralizada por crescentes barreiras comerciais.

Alternativas de financiamento

Governos sul-americanos já começam a cogitar mudanças no Convênio de Créditos Recíprocos, o CCR, sistema de compensações de pagamentos que funciona como uma espécie de seguro no comércio entre os países do continente e permite transações comerciais sem o uso de moeda conversível – o dólar, especialmente. O CCR é uma espécie de câmara de compensação: a cada três meses, os bancos centrais da região verificam quanto cada país importou do outro e transferem aos país com saldo positivo, os dólares correspondentes a esse saldo.

A Associação Latino-Americana de Integração (Aladi), promove em abril um seminário para discutir o aperfeiçoamento do CCR e o incentivo ao comércio em moedas locais, sistema inaugurado entre Brasil e Argentina, recentemente. Implícita, na agenda, há a ideia de trocar o dólar pelo euro como moeda de referência, um sintoma de descolamento em relação à economia dos EUA. Vai depender, claro, do desempenho – até agora pouco encorajador – das economias europeias.

*Sergio Leo é repórter especial em Brasília e escreve às segundas-feiras