Como a trajetória dedicada ao agronegócio transformou Tereza Cristina em uma referência para o setor responsável pela maior contribuição ao PIB brasileiro
Por_Camila Santos
Entrevistar a senadora Tereza Cristina é como mergulhar nas pautas que norteiam o agronegócio brasileiro. Nascida em Campo Grande, Mato Grosso do Sul, em 1954, Tereza é engenheira agrônoma e empresária do Setor Agropecuário. Eleita deputada federal em 2014 e reeleita em 2018, destacou-se ao ocupar o cargo de ministra da Agricultura, Pecuária e Abastecimento de 2019 a 2022. Desde janeiro de 2023, representa Mato Grosso do Sul no Senado.
Ao longo deste bate papo, ela traz questões fundamentais. No contexto da pandemia de Covid-19, destaca os esforços para garantir a produção agropecuária e a estabilidade do abastecimento nacional, enfatizando a importância de medidas como a Lei do Autocontrole, o foco em pequenos produtores no Plano Safra, e o estímulo a práticas sustentáveis.
Voltada para soluções que atendam desde os assentamentos à evolução da política agrícola nacional, especialmente para médios e pequenos produtores, a senadora fala sobre o papel crucial do agronegócio no crescimento do país e a importância de novas tecnologias, como o 5G e a inteligência artificial, para todos os produtores.
Atuante na Frente Parlamentar da Agricultura (FPA), principalmente em votações relevantes como a Reforma Tributária, e a posição sobre o Marco Temporal e os defensivos agrícolas, Tereza também volta seus olhos para a importância na celeridade dos programas de rastreabilidade para ampliação de acordos comerciais e a importância de estabelecer o mercado de Carbono no Brasil, para que o agro continue crescendo e mantendo o país como um dos principais produtores de alimentos do mundo.
Ao abordar suas expectativas e planos como senadora para 2024, Tereza Cristina reforçou a urgência de resolver questões logísticas, investir em infraestrutura, e enfrentar travas regulatórias para garantir o desenvolvimento sustentável do setor agropecuário brasileiro.
Avicultura Industrial – Como ex-ministra e atual senadora, quais foram as principais ações e projetos de destaque em seu mandato que impactaram o setor agrícola no Brasil?
Tereza Cristina – Primeiramente, como ministra da Agricultura, tive de enfrentar os desafios internos e externos, provocados pela pandemia de Covid-19. Em 2019 e 2020, trabalhamos duro, de forma integrada, para cuidar dos setores essenciais, como a produção agropecuária nacional. Era nossa responsabilidade não só com o produtor, mas com toda a população brasileira, porque não podia faltar comida nas prateleiras dos supermercados e na mesa das famílias. Também tínhamos de honrar os contratos de exportação de alimentos. E conseguimos fazer isso. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou que o Produto Interno Bruto (PIB) do país caiu 9,7% no segundo trimestre de 2020, em relação ao primeiro, pois os setores econômicos sofreram durante a pandemia, mas a agropecuária foi o único setor produtivo que apresentou crescimento.
Quais foram os principais desafios à frente do Ministério da Agricultura?
Tereza Cristina – Na minha gestão, tivemos ainda o objetivo de modernizar a defesa agropecuária, fizemos a Lei do Autocontrole, focamos os pequenos no Plano Safra, incentivamos os programas de inovação tecnológica e as práticas sustentáveis e ambientalmente corretas. Tive ainda grande preocupação em termos de informações e dados confiáveis e hierarquizados; criamos o Observatório da Agropecuária com este fim. Também investimos em criar uma ferramenta, o CAR (Cadastro Ambiental Rural) Dinamizado, para ajudar os estados a processar os programas de recuperação e compensação ambiental.
E nós desenhamos, ainda na transição, a união das diversas áreas afins sob o guarda-chuva da Agricultura, sem separar grandes de médios e pequenos produtores. Também estava no Ministério da Agricultura a Pesca, o Serviço Florestal, responsável pelo CAR, a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), que faz, entre outras coisas, a coleta de dados sobre nossas safras, e o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). Infelizmente, toda essa estrutura foi desfeita pelo atual governo.
Quais ações da sua gestão como ministra em prol dos assentamentos?
Tereza Cristina – Em quatro anos, distribuímos mais de 460 mil títulos para os assentados. Nosso objetivo foi proporcionar dignidade, liberdade e oportunidade de geração de renda e desenvolvimento nas regiões onde os assentamentos estão localizados. O Incra tem mais de 90 milhões de hectares em seu poder para assentamentos e precisa concluir bem os processos de reforma agrária. Não há necessidade de qualquer invasão criminosa de terra produtiva.
Poderia compartilhar suas perspectivas sobre como a política agrícola brasileira evoluiu nos últimos anos e quais são as mudanças mais significativas que você observou?
Tereza Cristina – Muitos devem se lembrar que, há poucas décadas, só havia notícia negativa sobre a agropecuária: era quebra de safra, dívida com os bancos oficiais, falta de crédito e de seguro rural, etc. Então, as condições, não só de financiamento, mas de produção do setor primário como um todo, mudaram muito, para melhor, felizmente. O que não significa que não precisemos do Plano Safra; sim, precisamos de recursos subvencionados pelo Tesouro Nacional, inclusive para o seguro rural, direcionados sobretudo para médios e pequenos produtores – não tanto para os grandes, que se financiam no sistema bancário privado e para os quais criamos novas opções de crédito, via Medida Provisória (MP) do Agro e Fundo de Investimento nas Cadeias Produtivas Agroindustriais (Fiagro), por exemplo. Se o governo não atrapalhar, o agronegócio segue crescendo, batendo recordes de safra ano após ano, sempre digo isso.
Quando falamos da forte evolução do agro, gosto de citar um exemplo concreto, medido pela nossa tão fundamental Empresa Brasileira de Produção Agropecuária (Embrapa). Em 1976, a produção de algodão no Brasil ocupava uma área de 4 milhões de hectares, com 1,2 milhão de toneladas produzidas. Ao longo de 43 anos, ocorreu uma inversão fantástica: em 2019, a área ocupada pelo plantio de algodão foi reduzida a 1,7 milhão de hectares, enquanto a produção alcançou 4,3 milhões de toneladas.
Qual o impacto dessa evolução no cenário nacional?
Tereza Cristina – Os bons resultados se consolidaram e hoje o agronegócio segura o PIB e a balança comercial, além de irrigar o interior do país, notadamente o Centro-Oeste, com prosperidade, como mostrou o Censo 2022. Pois não podemos esquecer que o desenvolvimento deve proporcionar melhoria dos indicadores sociais, geração e distribuição de renda para a nossa população.
Não tenho dúvida também de que continuaremos a avançar em tecnologia – a Era 5G e da Inteligência Artificial estão aí, ao alcance do campo moderno, em especial dos grandes produtores. Não há volta nessa estrada e precisamos democratizar e disseminar o acesso a esse universo, que não acontecerá sem a expansão da internet em todos os rincões brasileiros. É preciso governança para alavancar esse projeto, que deve chegar aos pequenos e médios; a modernidade deve beneficiar todos.
Sua interlocução política com a Frente Parlamentar da Agricultura é fundamental. Como tem sido sua colaboração com a FPA para promover os interesses do setor agrícola?
Tereza Cristina – A Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) é o grupo mais influente e mais numeroso, tanto na Câmara, como no Senado. Somos mais de 350 parlamentares afinados com a pauta rural. Nós temos bandeiras definidas e que receberam apoio de boa parte da população, em todas as regiões do país. Então, o atual governo, que tem uma base parlamentar ainda fluida, precisa ouvir e negociar com a FPA.
Em 2023, a Frente se mobilizou para votar diversos temas, com destaque para a reforma tributária. Conseguimos na Câmara, e depois no Senado, manter as isenções tributárias da cesta básica, a fim de impedir a inflação dos alimentos. Apesar de a agropecuária ter conseguido manter desonerações que asseguram a competitividade de nossas exportações, acabei votando contra a reforma tributária porque avaliei que não estava garantido, com tantas novas exceções, o não aumento dos impostos para o consumidor final – poderemos ter o maior Imposto sobre Valor Agregado (IVA) do mundo; defendi que a alíquota fosse limitada a 25%. E fiquei insatisfeita com os recursos destinados ao meu estado, o Mato Grosso do Sul, para compensar os fundos regionais; os critérios foram muito prejudiciais aos estados menos populosos.
Um momento marcante deste ano foi a votação do Marco Temporal, que ainda se desenrola nas pautas governamentais. Poderia comentar sobre o assunto?
Tereza Cristina – Esta foi outra batalha da FPA, que trabalhou para a aprovação, também nas duas Casas, do Marco Temporal para as Terras Indígenas, vetado pelo governo Lula. Acredito que teremos voto para, em breve, derrubar os vetos. Não podemos, sob argumento de defender direitos de uns, retirar direitos de outros: ambos, indígenas e produtores rurais, notadamente os pequenos, precisam de justiça e de apoio social. Fixar a data de 1988 como limite para ocupação indígena confere segurança jurídica – e quem tiver de sair de terras ocupadas de boa-fé merece ser indenizado, como já discutiu o Supremo Tribunal Federal (STF).
Muito se tem falado sobre a liberação de defensivos agrícolas. Como este assunto vem se desenrolando?
Tereza Cristina – Estamos caminhando no Senado com o projeto que moderniza o registro de defensivos agrícolas. O Projeto de Lei (PL) dos Defensivos já foi votado na Câmara e está sendo relatado pelo governo na Comissão de Meio Ambiente (CMA) do Senado. Estamos trabalhando para a modernização dos produtos, que hoje demoram até uma década para serem aprovados.
Ou seja, com a nova lei, teremos mais rapidamente no mercado, pesticidas mais ambientalmente corretos e menos tóxicos. Essa é a verdade. A legislação que atualmente regula o tema foi editada em 1989 e não atende mais às necessidades. A aprovação do PL traz modernidade e segurança para os consumidores, produtores e meio ambiente, além de tornar mais competitivos os preços para a agricultura.
Também pretendemos votar, ainda em 2023, ou, no mais tardar, no início de 2024, o PL do Licenciamento Ambiental, do qual sou relatora na Comissão de Agricultura do Senado. Temos sim de preservar o meio ambiente e nossa biodiversidade, mas sem travar o desenvolvimento do país; não podemos ter estradas, ferrovias e outras obras fundamentais paradas eternamente pela falta de licença ambiental.
Como a FPA se posicionou em relação às invasões do Movimento dos Sem Terra (MST), em 2023?
Tereza Cristina – A FPA se mobilizou frente às invasões patrocinadas pelo MST de propriedades produtivas, de famílias, empresas e até da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), pois isso sempre gera insegurança jurídica e afeta o ambiente de negócios na agropecuária. Pode desencorajar investimentos e prejudicar a imagem do Brasil no cenário internacional. Fica difícil o governo Lula se dissociar da responsabilidade por esses atos de tensões no campo, dada a sua ligação com o MST. Por causa desses extremos, dessa inaceitável perturbação da paz no campo, tivemos que apoiar uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do MST na Câmara dos Deputados.
O comércio internacional desempenha um papel crucial na agricultura brasileira. Quais esforços têm sido feitos para promover a expansão dos mercados de exportação de produtos agrícolas brasileiros?
Tereza Cristina – Uma das prioridades da gestão governamental é conseguir novos mercados para o pujante agronegócio brasileiro. Durante os três anos completos da minha gestão no Mapa, foram conquistadas 191 aberturas de mercado para produtos agropecuários brasileiros, sobretudo nas Américas, Ásia e África. Além disso, quase 2 mil estabelecimentos foram habilitados para exportações.
Nesse período, destacaram-se as aberturas do mercado chinês para os produtos lácteos e melões produzidos no Brasil. E ainda reabrimos o mercado para carne bovina nos Estados Unidos, o início das exportações de carne bovina para a Indonésia e também para a Tailândia; carne suína ao Camboja, pescados para a Arábia Saudita e México; “Petfood” e farinhas de origem animal para a Argentina e Tailândia, ovos e lima ácida ao Chile; arroz ao México; e maçãs para a Colômbia e Guatemala.
Não se pode deixar de referenciar o alcance da genética brasileira de animais e vegetais, com novas exportações de material genético avícola ao Marrocos, Camarões e Japão, assim como o início da disseminação da genética bovina brasileira para inúmeros outros países da África, Américas e Ásia. No mesmo caminho seguiram as sementes de frutas e outros vegetais, que também passaram a alcançar a Colômbia, Bolívia e Egito.
Durante minha passagem pelo Ministério da Agricultura, no triênio 2019-20-21, as exportações do agronegócio brasileiro somaram US$318,14 bilhões. Os cinco principais setores em valor exportado foram: complexo soja (US$ 115,8 bilhões); carnes (US$ 53,7 bilhões); produtos florestais (US$38,3 bilhões); complexo sucroalcooleiro (US$ 26,4 bilhões); e café (US$17 bilhões). Em conjunto, esses cinco setores foram responsáveis por 80% de todas as exportações do agro no período. O Serviço de Inspeção Federal (SIF) ganhou reconhecimento no mercado internacional com a abertura de 32 mercados para exportação de carnes.
Além disso, temos de concluir parcerias estratégicas, sobretudo o acordo Mercosul-União Europeia. As carnes brasileiras, de aves, bovina e suína, têm todas as condições sanitárias de dominar o exigente e bem remunerado mercado europeu; para isso precisamos concluir o acordo comercial assinado por nós em 2019. Preocupo-me com a manutenção das exportações, a busca do equilíbrio fiscal e o crescimento não só no agro, mas também na indústria e nos serviços.
Quais são suas expectativas e planos para o próximo ano, considerando seu papel como senadora e sua ligação com a agricultura? Quais são as principais prioridades em seu mandato para 2024?
Tereza Cristina – O Brasil é o terceiro maior produtor mundial de grãos, na soja somos os primeiros, e o país continua a crescer fortemente na agropecuária. E no Centro-Oeste, minha região, celeiro desses grãos, ainda temos estradas em petição de miséria e dependemos do transporte em caminhões, quando deveríamos ter muito mais ferrovias e hidrovias para escoar nossas safras, além de armazéns para a estocagem.
As obras paralisadas, bem como a lentidão nas concessões, têm sido questionadas pelos senadores. Estima-se que temos 12 mil obras inacabadas no Brasil, fruto da má gestão e dificuldades de investimentos públicos. Os senadores gostariam de mudar esse quadro. Nós temos demandas urgentes e precisamos, como já destaquei, efetivar o licenciamento ambiental.
Não tenho nenhuma dúvida de que o agro, pela sua trajetória, reúne as melhores condições para levar o país à chamada Economia Verde, e consolidar a imagem do Brasil moderno, fornecedor de alimentos de qualidade, produzidos com práticas sustentáveis e inovadoras, cumprindo nosso Código Florestal, sem desmatamento ilegal.
Com certeza, é meta urgente acelerar os programas de rastreabilidade dos nossos produtos, uma exigência internacional hoje incontornável, inclusive para ampliação de nossos acordos comerciais. É preciso incentivar e financiar o investimento em rastreabilidade. E também caminhar para estabelecer o mercado de Carbono no país. O agronegócio, que sempre esteve na vanguarda, é o setor capaz de liderar esse processo e mostrar a potência agroambiental que é o Brasil.
Nós, que criamos, com a ajuda da Embrapa, a agricultura tropical das supersafras, os biocombustíveis, os bioinsumos, o Plano ABC, a Integração Lavoura, Pecuária e Floresta (ILPV), para algumas citar iniciativas sustentáveis de sucesso, não podemos continuar reféns do atraso, sobretudo na logística.
E muito desse atraso deve-se a inaceitáveis travas regulatórias, que persistem pela irracionalidade e até por equívocos ideológicos, que, infelizmente, estão sendo renovados. Lutamos, quando à frente do Ministério da Agricultura, para destravar o setor e continuaremos a fazer isso no Senado.