É espantoso, mas ainda há quem atribua o mau desempenho do comércio exterior brasileiro a uma suposta decisão de privilegiar os mercados do Sul em detrimento dos mercados do Norte. Desprezar a importância do acesso a mercados emergentes, como o da África, é ignorar como andam se travando as disputas nos mercados externos. E, embora haja evidentes benefícios em baixar barreiras no mercado dos EUA, o país já tem tarifas bem baixas, em geral, e, infelizmente, considera “sensíveis” a maior parte dos setores onde o Brasil poderia ter ganho relevante em um acordo comercial. Mas o problema maior dos exportadores brasileiros é outro: será difícil sonhar com acordos comerciais, sem antes olhar para dentro de casa.
Como não cansa de demonstrar a professora Vera Thorstensen, da Fundação Getulio Vargas, a forte valorização do real, por mazelas domésticas, come qualquer vantagem competitiva em matéria de redução de tarifas de importação eventualmente obtida nos mercados desenvolvidos. E o drama do Brasil como ator global é agravado pelo câmbio, mas não se resume nele: a verdade é que, ao lado dos chamados custos “sistêmicos”, como a kafkiana tributação brasileira, a deficiente infraestrutura e o alto custo do investimento, vem se tornando dramática outra deficiência brasileira: a perda de produtividade.
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“O país caminha para uma situação insustentável”, previu o economista Renato Fonseca, da Confederação Nacional da Indústria (CNI), ao comentar trabalho recente de sua equipe sobre a evolução da produtividade do trabalho na indústria brasileira. O ambiente desencorajador para investimentos só agrava a tendência de deterioração da produtividade do trabalho no país, que, depois de um tímido crescimento nos primeiros cinco anos da década passada, estagnou e chegou a 2011 em queda.
Segundo o estudo de Fonseca, a produtividade do trabalho no Brasil aumentou medíocres 4,7% entre 2001 e 2006, e caiu 0,5% de 2006 a 2011. Com isso, nos últimos 11 anos, houve um crescimento de apenas 4,1% na produtividade da mão de obra.
O freio no aumento de produtividade pode ser atribuído, em parte, à recuperação salarial, no embalo do mercado de trabalho aquecido. Para comparar com os outros custos industriais, Fonseca calculou o salário médio real deflacionando os valores pelo índice de preços ao atacado da indústria, e notou que, entre 2001 e 2011, a queda nesse salário médio foi de 9,1%. Na verdade, houve queda de 2001 a 2006, mas seguida de recuperação entre 2006 e 2011.
Houve aumento de produtividade no começo desse período, quando os salários não acompanharam os outros custos da indústria, mas essa situação mudou. Os trabalhadores têm obtido ganhos reais e a carência de mão de obra exige gastos com treinamento por parte das empresas.
O custo unitário do trabalho, que mede o peso da mão de obra sobre cada unidade produzida, caiu 23,4% de 2001 a 2006, mas a falta de investimentos em inovação, para compensar a recuperação salarial desde então, reduziu para 13% a queda no custo unitário do trabalho no período entre 2001 e 2011.
CNI: país caminha para situação insustentável
Essa gradual perda de competitividade brasileira torna-se dramática com a valorização do real, de quase 29% no período, que fez o aumento de custos ser bem maior quando medido em moeda de transação internacional. Segundo os cálculos de Fonseca, descontando a inflação industrial americana de 40,5% e levando em conta a brasileira, de 123%, o custo em dólares com os trabalhadores para se produzir cada unidade de mercadoria só aumentou desde 2001 e quase duplicou deste ano ao ano passado (ver tabela abaixo).
“Mesmo com a recente valorização do dólar, para cerca de R$ 2, o custo unitário do trabalho aumentou em torno de 50% nesses últimos anos”, diz o economista. A saída, recomenda ele, é investimento em inovação e aumento da produtividade, atitude difícil de encontrar no meio empresarial nesses tempos de incerteza. Vale também cobrar do governo a solução para problemas na execução dos incentivos à inovação, como a Lei do Bem, que aponta na direção certa, mas deixou indefinições sobre quais investimentos têm direito aos benefícios, o que foi suficiente para desanimar o setor privado.
“Sem definição clara sobre o que é inovação, as empresas que aproveitam o incentivo fiscal para essas atividades estão sujeitas a terem contas glosadas pela Receita e levar multa”, indica Fonseca, que também critica a exclusão, do programa, de empresas tributadas por lucro presumido, ou pelo Simples (que simplifica a tributação das microempresas).
O setor privado tem sua culpa por ter se acomodado com a confortável situação de alta no consumo e um mercado disposto a sancionar altas de preços. Com o atual esfriamento do mercado consumidor, a indústria pouco competitiva agora tem dificuldades em buscar clientes externos, e sofre para competir com importados aqui dentro.
A cobrança por negociações comerciais, nessas circunstâncias, tem muito de teatro: tratados de livre comércio despertam pouco entusiasmo em importantes setores organizados do empresariado. O setor privado não pode depender só do governo, tem o dever de forçar uma saída dessa armadilha da baixa produtividade.