De forma indireta, Brasil e União Europeia (UE) continuaram o debate sobre barreiras ao comércio, ontem. Levantamento ao qual o Valor teve acesso mostra que exportações de companhias brasileiras de café solúvel, níquel e carnes de ave e bovina enfrentam barreiras nos 27 países da UE e sofrem prejuízos de milhões de dólares. Por sua vez, um representante da UE minimizou relatório que Bruxelas divulgou na segunda-feira, que acusa o Brasil de protecionismo. Segundo o funcionário, a situação bilateral é de “business as usual”. E deixou claro que os europeus não têm nenhum plano de abertura de disputa comercial com o Brasil.
O Brasil reclama de falta de transparência e caráter discriminatório do Sistema Geral de Preferências (SGP) europeu, em particular do chamado “SGP plus”, que beneficia concorrentes do país. A UE, nesse caso, prejudica diretamente o setor de café solúvel brasileiro. Além disso, regulamento técnico que classifica os compostos de níquel como substâncias de alta carcinogenicidade está afetando as exportações da Vale Canadá. Para o Brasil, a norma europeia tem questionável base técnica, diferente do que se aplica no resto do mundo.
Está no radar um contencioso já pedido pelo setor produtivo por causa de regulamento da UE sobre padrões de rotulagem para carnes de ave. Segundo funcionários brasileiros, isso impede qualificação como “frescas” de carnes que já tenham sido congeladas, levando a discriminação em favor dos produtores europeus. A questão é que não há restrição sanitária a essa prática, segundo as normas sanitárias da UE. Os produtores brasileiros esperam um questionamento de Bruxelas na OMC.
O Brasil se sente prejudicado também com a definição de carne bovina para fins de utilização da cota Hilton, que envolve o produto de maior valor agregado. A definição do produto hoje utilizada inviabiliza o aproveitamento adequado da cota pelos produtores brasileiros, frustrando a compensação que a UE deveriam dar ao Brasil, por causa de um antigo contencioso. Negociadores brasileiros monitoram também a medida da UE que prorrogou até o fim do ano pacotes de apoio ao setor financeiro concedidos pelos Estados membros no contexto da crise financeira global. A concessão dos pacotes foi viabilizada por uma interpretação mais flexível pela Comissão das Regras de Concorrência e Ajudas de Estados e, na prática, distorcem a concorrência.
Além da UE, outros países monitoram de perto as operações do BNDES, sem, porém, se arriscar a tentar abrir disputas na Organização Mundial do Comércio (OMC). O xerife do comércio mundial também não fará um relatório sobre as operações do banco brasileiro porque isso não faz parte de seus trabalhos. Qualquer ação envolvendo o banco só viria se os juízes fossem acionados. “O relatório nem quer dizer que as medidas causam prejuízo”, afirmou o representante europeu. “O que fizemos foi assinalar que certas medidas de proteção não estão de acordo com os compromissos no G-20.”
Para os europeus, o comércio bilateral continua fluido e as conversações com os brasileiros, para tentar desmontar problemas envolvendo trocas de dezenas de bilhões de dólares por ano, ocorrem com frequência. Do lado do Brasil, as queixas têm sido mais concretas na área agrícola, onde a Europa não consegue mais segurar as exportações brasileiras com comércio administrado.