A política de intervenção do Banco Central no mercado de câmbio busca aumentar a volatilidade da taxa. Cada um dos três instrumentos – compra à vista, “swap cambial reverso” e compra a termo – destina-se a um tipo de fluxo de moeda estrangeira. Com isso, a taxa de câmbio perde a previsibilidade e, consequentemente, inibe o ingresso de capitais de curto prazo, interessados apenas nos ganhos de arbitragem (dado pelo diferencial entre os juros internos e externos). Se a trajetória do câmbio é totalmente previsível, os investidores de curto prazo ficam confortáveis para tomar risco.
As atuações do BC com os três mecanismos representam “uma espécie de freio dinâmico” nos movimentos do câmbio, avaliam especialistas do governo. Sem elas, a valorização do real frente ao dólar seria muito mais intensa do que tem sido, atestam essas mesmas fontes. A escolha do instrumento de intervenção conforme a natureza do fluxo, que adequa a ação do BC às práticas do mercado, mostra que a taxa pode se valorizar ou desvalorizar. Ou seja, ela flutua. Até então, tudo apontava para a apreciação sistemática da moeda local. “Isso gera uma volatilidade que entendemos que é boa para o mercado. E o real, antes uma das moedas mais valorizadas do mundo, hoje está no meio entre as que mais e as que menos se valorizam”, disse uma fonte qualificada.
Os fluxos de capitais no país assumem distintas características predominantes conforme o período. Em janeiro o forte foi o fluxo para investimentos diretos estrangeiros e captações de empresas e bancos. Entraram no país US$ 15,5 bilhões líquidos. Desses, mais de US$ 10 bilhões eram captações. Para fluxos de “real money”, o melhor instrumento é a compra de dólar à vista e, no mês passado, o BC adquiriu US$ 8 bilhões nesse mercado, cifra que subiu para US$ 10,8 bilhões nos primeiros quatro dias de fevereiro.
Assim, enxugou parte da liquidez, mas comprou abaixo do fluxo para deixar uma sobra para os bancos reduzirem suas posições vendidas. Essas caíram US$ 5 bilhões e terminaram janeiro próximas a US$ 11 bilhões.
Movimentos imprevisíveis afastam capitais indesejáveis
Como as compras no mercado à vista elevam o cupom cambial (taxa de juros em dólar no mercado interno), o BC ofertou US$ 3,5 bilhões em swap cambial reverso, numa operação destinada a conter as especulações contra o real em que não há aquisição efetiva da moeda brasileira.
Um terceiro foco de atuação foram os leilões a termo, para conter as especulações que precediam o ingresso maciço de grandes operações de captação de empresas e bancos no exterior.
Nas compras a termo, o BC define previamente a taxa do dólar para o dia da liquidação financeira da operação. Para poder operar nesse mercado foi preciso montar um sistema operacional mais sofisticado na mesa de câmbio do BC, que fosse confiável para fazer a contabilidade, os leilões e os pagamentos. Tal sistema só ficou pronto recentemente, informa o BC. Para voltar com os swaps reversos, contestados pelo Judiciário, o Conselho Monetário Nacional aprovou um voto dando essa atribuição ao Banco Central. Através dos “dealers” de câmbio, a autoridade monetária consegue mapear com segurança mais de 70% das captações em curso.
Um caso clássico para essa atuação foi a megaoperação de captação da Petrobras em setembro de 2010. Quando uma empresa de porte sabe que vai ter um forte ingresso no caixa em determinado dia, ela negocia antecipadamente com os bancos esses dólares, em lotes menores e taxas melhores, para liquidação futura, quando os dólares entrarem. Os bancos assumem o risco cambial, oferecem a moeda no mercado futuro para nivelar suas posições, e, com isso, jogam a cotação do dólar para baixo. Como no Brasil o mercado futuro exerce grande influência na formação do preço à vista, se o BC oferece a possibilidade de comprar esse dólar a termo ele evita uma depreciação acentuada do câmbio naquele dia.
Segundo explicações oficiais, há uma pequena diferença de custos para o governo entre as compras de dólar no mercado à vista e as que são feitas no futuro. Quando o BC compra moeda no mercado à vista os dólares vão compor as reservas cambiais e os reais recebidos pelos bancos são esterilizados com títulos da dívida pública. Ou seja, o governo recebe pela remuneração das reservas um pouco mais do que a Libor e paga taxa Selic. Paga 11,25% ao ano e recebe algo ligeiramente acima de 0,8% ao ano.
Nas operações a termo e de swap cambial reverso, o custo é um pouco menor, afirma um especialista do governo. O BC paga CDI, que é inferior à Selic, e recebe cupom cambial (juros em dólar) mais a variação a taxa de câmbio. O cupom supera a Libor. Mas não é esse pequeno diferencial o motivo do BC para atuar com os novos instrumentos.
Conforme dados divulgados ontem pelo BC, as reservas cambiais somaram US$ 300,21 bilhões no dia 9, equivalentes a 13,7% do Produto Interno Bruto (PIB). A acumulação de reservas, objetivo do governo no passado recente, hoje é mera consequência da atuação do BC no mercado de câmbio. Como proporção do PIB, as reservas brasileiras são bem mais modestas do que as da China, Coreia ou Rússia. Mas os custos de esterilização das reservas, no país, também são substancialmente maiores do que em outros emergentes.
O governo garante que não persegue duas metas – para o câmbio e para a inflação. O mandato do BC, no regime de metas para a inflação, é apenas um: manter a inflação na meta.
Entende, porém, que não deve deixar que a taxa de câmbio, aqui, seja mais deprimida do que as dos principais competidores do país no mercado internacional, com todos os danos que isso causaria à economia brasileira.
Em tempos normais, isso soaria como sofisma. Importantes fontes governamentais explicam, no entanto, que o mundo pós-crise global virou de ponta cabeça e, no momento, não cabe uma visão “ingênua”.