O contínuo crescimento das exportações e o recorde de importações do Brasil no primeiro semestre foram insuficientes para que o país seja considerado uma economia mais aberta, segundo o mais conhecido indicador de abertura da economia – a proporção do comércio exterior em relação ao Produto Interno bruto (PIB). A conclusão, que contraria o senso comum, é do Ministério do Desenvolvimento: enquanto em 2009 a proporção de exportações e importações em relação ao PIB chegou a 17,79%, no primeiro semestre de 2010 essa proporção caiu ligeiramente, para 17,72%.
Os cálculos foram feitos com base em um dólar médio equivalente a cerca de R$ 1,80 (se usada a cotação atual, próxima a R$ 1,70, os percentuais seriam ainda menores). Com parâmetros distintos, a Comissão Econômica para América Latina (Cepal) calcula que a proporção da corrente de comércio em relação ao PIB está acima de 20%, mas vem caindo consistentemente desde 2004, quando esteve em 24%. Em 2008, com a crise que derrubou as economias mundiais, o Brasil conseguiu retornar a um percentual acima de 23%, mas não voltou a subir no ano seguinte.
Especialistas do setor, como o secretário de Comércio Exterior do Ministério do Desenvolvimento, Welber Barral, concordam, porém, que o país vinha aumentando, desde 2004, a proporção de importações – impulsionada pela valorização do real em relação a outras moedas e pelo crescimento do mercado interno – e tende a manter esse movimento.
A queda no indicador tradicional de proporção da corrente de comércio (exportações mais importações) em relação ao PIB se deve principalmente a três fatores: o alto ritmo de crescimento do produto interno, a desaceleração no ritmo de exportações e a desvalorização do dólar, que reduz ainda mais os valores do comércio externo, quando convertidos em moeda nacional.
“Na prática, porém, as importações estão crescendo e elas não respondem mais só à conjuntura; se tornaram estruturais”, afirma o vice-presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), José Augusto de Castro. “Estão sendo tomadas decisões de substituir insumos e componentes nacionais por importados, e isso não se desfaz facilmente mesmo que haja desvalorização”, comenta. Os setores de autopeças e de eletroeletrônicos estão entre os que mais adotam essa prática, segundo a AEB.
Em termos relativos, o maior impulso para o aumento das importações vem das compras de bens de consumo, que cresceram 54% em agosto em relação ao mesmo mês de 2009, principalmente entre os bens duráveis (69%), como eletrodomésticos e automóveis. Nos oito primeiros meses do ano, o aumento na importação de bens duráveis passou de 70%; só as de automóveis subiram 67,5% .
O maior crescimento absoluto, porém, foi nas compras de bens intermediários, usados na produção de mercadorias, que aumentaram quase 44% – US$ 16,4 bilhões a mais que no ano passado. As compras de bens de capital subiram 36,4%, quase US$ 7 bilhões.
“A tendência é termos cada vez mais importações como proporção do PIB, mas o indicador mostra que não há a tal invasão de importados”, diz Barral. Os índices de importação do Brasil chegam a representar um terço dos índices de outros emergentes, como África do Sul ou México, e dois terços do indicador para a Argentina, em 2009, ano de queda no comércio para todos os países. Até 2007, a proporção da corrente de comércio no Brasil em relação ao PIB era metade do que ocorria na Argentina.
Em favor do aumento das importações existem três fatores, lembra Barral: a formação de cadeias produtivas globais, com partes e peças de várias partes do mundo; a especialização no Mercosul em setores como pneus, que decidiram manter determinadas linhas de produção no Brasil e outras na Argentina; e a troca de insumos nacionais por importados por empresas brasileiras, tentando manter competitividade de seus produtos apesar do real valorizado. A troca afeta, também, a demanda por máquinas e equipamentos para a indústria.
“De fato, comparada com outros países, nossa corrente de comércio é muito pequena em relação ao PIB, mas abrimos muito o mercado”, comenta o presidente da Associação Brasileira da Infra-Estrutura e das Indústrias de Base (Abdib), Paulo Godoy. A entidade, diz ele, tem planos de enfrentar a falta de estatísticas sobre importações no setor para dar ao governo a dimensão da forte dependência em relação a fornecedores estrangeiros. A competição dos importados é medida pelo déficit do setor de bens de capital, que importou US$ 792 milhões a mais do que exportou de janeiro a agosto de 2010. Em 2009, em igual periodo, a diferença foi de US$ 1,1 bilhão.
A troca de fornecedores nacionais por estrangeiros é mais presente nos produtos padronizados, como geradores para pequenas centrais hidrelétricas, diz Godoy. Mas os produtores chegaram a se sentir ameaçados por concorrentes chineses no fornecimento às grandes hidrelétricas em construção no país, como a de Jirau. “Precisamos de soluções pontuais para enfrentar os importados e não ampliar as dificuldades do setor. Algumas, porém, vão na contramão, na direção de reduzir a corrente de comércio”, reconhece Godoy.
“Claramente o mercado brasileiro tem mais produtos estrangeiros, temos interesse em medir isso”, diz o presidente da Associação Brasileira da Indústria Eletroeletrônica (Abinee), Humberto Barbato. Ele confirma o aumento na quantidade de componentes estrangeiros em produtos como geradores e transformadores, mas lamenta a dificuldade em obter das empresas dados sobre a tendência. “Faz parte da estratégia comercial, as empresas não revelam”, afirma. O custo Brasil e a valorização do real agem contra os exportadores, lembra Barbato. “A abertura não é ruim, mas temos de fazer com que se dê dos dois lados, nas importações e nas exportações”, cobra ele.