A OMC (Organização Mundial do Comércio) anuncia hoje (31/08) em Genebra o tamanho e a forma das sanções que o Brasil poderá aplicar contra os EUA por conta de subsídios dados pelo governo americano a seus produtores de algodão. Mas nem por isso estará encerrado o longo périplo iniciado em 2002: com um trunfo nas mãos, Brasília precisa decidir se retaliará ou se o usará apenas como instrumento de pressão política.
Para o Itamaraty, essa decisão não foi tomada ainda.
O país pede o direito a sanções de US$ 2,5 bilhões -já chegou a pedir mais de US$ 4 bilhões. Em junho de 2008, ante uma apelação americana, o painel de solução de controvérsias manteve a conclusão de que os EUA de fato violavam as regras da instituição; cabe agora somente determinar o valor e a forma das sanções.
A forma, aliás, é o mais importante. O montante solicitado é visto como pequeno para pressionar os americanos, que nada fizeram para reverter sua política desde que o caso foi aberto, ainda sob o primeiro mandato de George W. Bush.
Para “incomodar” de fato, a visão da diplomacia brasileira é que as sanções precisariam então atingir os EUA onde mais dói: propriedade intelectual -leiam-se patentes, especialmente as da indústria farmacêutica, e depois, eventualmente, royalties sobre sementes transgênicas e maquinário.
Para que isso aconteça, é preciso que a OMC conceda o direito à chamada “retaliação cruzada” -sanções em uma área diferente daquela em que a disputa teve lugar (nesse caso, produtos agrícolas). Ainda assim, mesmo que a solicitação seja atendida, será preciso modificar a legislação brasileira, já que a Constituição veda a prática. O projeto de lei já está em discussão no Congresso.
Aí entra o jogo político que opõe a estratégia do Itamaraty -que passa por um momento de cobranças múltiplas ao governo do democrata Barack Obama- aos produtores de algodão brasileiros -que querem as sanções no setor tido como um dos mais icônicos nas disputas sobre subsídios agrícolas.
É corrente na OMC a visão de que aplicação das sanções nem sempre é o mais interessante para os países envolvidos. Já o poder de barganha adquirido pode ser crucial em um momento em que o Brasil tenta fazer andar a Rodada Doha de liberalização comercial, moribunda sobretudo por conta da posição norte-americana quanto aos subsídios agrícolas.
O algodão, aliás, é classificado como “produto sensível” nas negociações globais e alvo de regras especiais.
Com o forte lobby dos Estados algodoeiros do Sul dos EUA no Congresso, Obama, menos de nove meses no cargo, tem pouca margem de manobra. Principalmente agora, quando vê seu capital político se esvair na queda de braço para aprovar seu projeto de reforma do sistema de saúde norte-americano.
Mas a questão das patentes mexe com outro lobby poderoso nos EUA, o da indústria farmacêutica. Se o Brasil for autorizado a quebrar patentes para fabricar remédios genéricos, por exemplo, poderá ser aberta a porteira para que outros países, como a Índia, o sigam.
Histórico – Caso decida aplicar as sanções, será a primeira vez que o Brasil o fará no âmbito da OMC. O país até hoje ganhou direito de retaliar em apenas 1 dos 24 casos que abriu – na maioria dos demais, o processo segue em curso ou se chegou a acordo. Foi o que envolveu a fabricante de aeronaves Embraer contra a rival canadense Bombardier, concluído no início da década.
Mas essa vitória veio pouco após Ottawa ter obtido o mesmo direito em um caso aberto pelo governo canadense, e as partes chegaram ao acordo.
A retaliação cruzada na área de propriedade intelectual também é uma quase novidade: foi permitida apenas uma vez, na disputa envolvendo o Equador, a União Europeia e a exportação de bananas, caso que ainda tem suas idas e vindas.
Também hoje, a OMC anunciará a abertura de um painel solicitado pelo Brasil para analisar medidas antidumping tomadas pelos Estados Unidos em relação ao suco de laranja brasileiro, descritas como “nocivas” pelo Itamaraty.
Por se tratar de uma primeira solicitação nesse caso, no entanto, as regras do organismo permitem aos americanos vetar a instalação, que pode voltar a ser reivindicada pelo Brasil no futuro.