Os grandes aportes dados pelo BNDES a obras privadas não são um problema hoje, mas podem se transformar em um obstáculo. Para o diretor-geral de infraestrutura da consultoria KPMG, James Stewart, essa deveria ser uma preocupação do governo e das empresas devido ao limite de capacidade do banco e, por isso, deveriam ser estimuladas alternativas de crédito a grupos de infraestrutura. Em entrevista ao Valor, Stewart fala sobre esse assunto e defende que energia e transporte devem ser alvos dos investimentos atuais. Por já ter ocupado cargos como o de diretor-geral da Infrastructure UK, instituição do governo britânico que aconselha ministros sobre investimentos em infraestrutura, ele é considerado hoje um dos principais especialistas no setor.
Valor: Criou-se uma sensação de que o Brasil é o país dos negócios em infraestrutura no momento, principalmente devido aos investimentos do governo em projetos no setor e aos eventos esportivos de 2014 e 2016. É um cenário real?
James Stewart: Se você olhar os investimentos em infraestrutura no Brasil, não há grande diferença em relação ao que é feito no resto do mundo. Globalmente, a necessidade de infraestrutura está explodindo e vai chegar a US$ 40 bilhões nos próximos anos. O que ocorre particularmente no Brasil lembra o que acontece na Inglaterra atualmente. Eu trabalho em Londres, onde haverá os Jogos Olímpicos [neste ano]. E é incrível o que ocorre devido a esse evento. Você não pode simplesmente postergar os investimentos necessários. Eles têm de estar prontos o quanto antes. Isso traz um diferencial completo da disciplina e da dinâmica dos investimentos.
Valor: Os investimentos ocorrem principamente nos países emergentes ou não há essa concentração?
Stewart: Eles ocorrem distribuídos em todo o mundo, mas nesses países, principalmente em regiões da Ásia e especificamente na China e na Índia, há uma necessidade especial. Grande parte dos investimentos em infraestrutura estão sendo feitos pela primeira vez em certas regiões, como no caso do fornecimento de água e de eletricidade. Enquanto isso, como nos Estados Unidos, 80% das pontes, por exemplo, estão obsoletas e precisam de investimentos para serem trocadas ou passarem por manutenção. Eu acho que o Brasil está em alguma posição intermediária [entre os países asiáticos e os Estados Unidos].
Valor: Há projetos que podem ser considerados mais importantes em desenvolvimento no Brasil?
Stewart: Atualmente, se você considerar os eventos esportivos, [a necessidade principal é de] aeroportos. Se os projetos não derem certo, há um grande risco de reputação. Agora, se você quer atrair investimentos a um país, você tem de tornar o sistema de energia confiável. Estive em nosso escritório [da KMPG] na Índia, em Nova Déli. E em poucos minutos a energia caiu quatro vezes. A demanda sobe com novos investimentos. No Vietnã, por exemplo, a necessidade por energia vai dobrar nos próximos anos. Dobrar. E sem energia, tudo para de funcionar.
Valor: No atual cenário de crise na Europa e de mais restrição ao crédito, como vai se comportar o setor de infraestrutura?
Stewart: Hoje está mais difícil financiar projetos do que há alguns anos. No Brasil, praticamente todo o crédito no setor é dado pelo BNDES. É o único meio barato e a longo prazo. O país precisa estar preparado para ter uma alternativa. Se você olhar o EIB [European Investment Bank, banco europeu], há crédito barato, mas geralmente ele financia até 15%. Da mesma maneira, se você quer estimular o crescimento do crédito de instituições da iniciativa privada, você precisa limitar o crédito do BNDES.
Valor: O fato de o BNDES ser o principal financiador deve ser alvo de preocupação?
Stewart: Hoje, não é um problema, mas sim uma solução. O que preocupa é o limite da capacidade do banco. Quando olhamos todos os investimentos em infraestrutura na Europa, chegamos à conclusão que seria impossível realizar tudo só com o apoio do banco governamental. Em todo o mundo, bancos não são os fornecedores de crédito natural para a infraestrutura. Eles não têm configuração para isso. Quem tem? Mercado de capitais e fundos.
Valor: Qual a solução para sair do papel o projeto do trem-bala, um dos mais caros em desenvolvimento no Brasil?
Stewart: Se o governo quer a participação da iniciativa privada em um projeto, mas ela prefere não participar pois concluiu que há muitos riscos, a solução é quase óbvia. Os riscos devem ser diminuídos pelo governo.