Mesmo preparadas para enfrentar a competição por novos mercados, as exportações de produtos agropecuários do Brasil tendem a virar “alvo preferencial” do protecionismo comercial nos próximos dez anos. Além disso, a crise financeira global e as negociações para um novo acordo sobre mudanças climáticas deverão suscitar uma série de barreiras técnicas ao comércio, incentivar medidas discriminatórias e ressaltar eventuais problemas sanitários e fitossanitários da produção brasileira.
O cenário adverso, traçado pelo advogado americano Scott Andersen, pode piorar com acusações de dumping, danos à produção local e restrições de acesso a mercados via classificações aduaneiras inapropriadas, cobrança de taxas além do previsto nas legislações nacionais e a imposição de sistemas de bandas de preços. Principal estrategista do vitorioso processo brasileiro contra os subsídios concedidos pelo governo dos EUA a seus produtores de algodão, Andersen reforçou ontem a necessidade de ação conjunta do governo e setor privado para evitar novas e arrastadas disputas comerciais.
Em palestra durante seminário dos dez anos da Associação Brasileira dos Produtores de Algodão (Abrapa), o especialista em regras da Organização Mundial do Comércio (OMC) recomendou ao setor rural apoiar as negociações multilaterais da “Rodada Doha” e denunciar as “inconsistências” das normas ambientais dos Estados Unidos e da União Europeia em relação às regras da OMC. “Nos próximos dez anos, o enorme sucesso das exportações do Brasil pode transformá-lo em um alvo do protecionismo”, afirmou Andersen, advogado do escritório Sidley Austin, em Washington.
A receita do especialista para driblar uma “onda protecionista” contra o Brasil inclui patrocinar acordos na OMC para evitar novas aberturas de comitês de arbitragem (panel) e reforçar o papel do Brasil como “terceira parte” interessada com o objetivo de influenciar a jurisprudência comercial. “Mas tem brigar, quando necessário, para defender o direito de acesso a mercados”, sugeriu à plateia de 200 convidados. O temor de Scott Andersen tem fundamento.
Iniciado em setembro de 2002, o processo contra os subsídios ao algodão americano pode gerar uma retaliação de US$ 2,5 bilhões e desmontar o arsenal de subsídios agrícolas dos EUA. Mas ainda não tem uma decisão final sobre as compensações devidas aos produtores brasileiros. Um novo prazo, que expira em 30 de junho, foi fixado pelos juízes da OMC.
Os principais nós comerciais para o Brasil estão escondidos entre as letras miúdas das regras de concessão de subsídios e do Acordo sobre Medidas Sanitárias e Fitossanitárias (SPS) da OMC. Também espreitam no Acordo sobre Barreiras Técnicas ao Comércio (TBT) e nos procedimentos para a aplicação de soluções de controvérsia, além das regras não-discriminatórias, restrições quantitativas (cotas), classificação tarifária e acesso a mercados.
“Os acordos SPS e TBT serão cada vez mais usados como protecionismo. Mas o Brasil está preparado para os desafios de encarar a competição com produção subsidiada”, disse.
Dentro do acordo SPS, o advogado americano aponta como entraves eventuais medidas quarentenárias, exigências de processamento, certificação, inspeção, testes e rotulagem relacionada à saúde. “Centenas de novas medidas são lançadas todos os anos”, afirmou. As medidas de precaução, segundo ele, são tomadas por interesses comerciais específicos e grupos de consumidores. A segurança alimentar e os padrões de saúde animal e vegetal também podem ser motivos.
A solução, diz Andersen, passa pela cooperação e as negociações bilaterais sobre questões técnicas do SPS e a fixação de medidas de equivalência com negociações, auditorias e inspeções, sistema de rastreamento forte e padrões sanitários elevados.
O advogado alertou que medidas discriminatórias devem ser tomadas contra o Brasil, como a adoção de padrões para o biodiesel, critérios de sustentabilidade no etanol, rotulagem da carne bovina e exigências de níveis reduzidos de resíduos de agrotóxicos em alimentos. Para evitar prejuízos, o Brasil deveria buscar acordos na OMC e influenciar fixação de padrões em organismos internacionais. Biocombustíveis podem ser banidos ou discriminados em função de critérios de sustentabilidade, como impactos negativos sobre a biodiversidade e o desmatamento. “A coordenação com os demais países produtores de biocombustíveis também é importante”.