O Brasil já é o maior exportador mundial de frango halal, produzido conforme os princípios do islã, mas ainda quer ganhar espaço nesse mercado em que concorre com EUA, Europa e Tailândia, principalmente. Depois de fechar 2012 com exportações de 1,789 milhão de toneladas em frango halal, o setor produtivo, junto com o governo, negocia a abertura de mercados considerados fundamentais para que o Brasil possa ampliar a fatia de 38% que já detém no bolo global desse segmento.
Um dos mercados mais cobiçados é a Malásia, onde cerca de 60% da população é muçulmana e existe até um ministério encarregado do assunto, para se ter uma ideia da importância que se dá ao cumprimento do preceito. “Na Malásia, os padrões de exigência são elevados. Assim, ter acesso ao mercado malaio abre caminho para outros mercados consumidores de frango halal”, estima Ricardo Santin, diretor da União Brasileira de Avicultura (Ubabef).
O país asiático é o maior fabricante de produtos processados halal no mundo e utilizaria a carne de frango brasileira como matéria-prima para industrializados.
No ano passado, 45,6% do total de 3,918 milhões de toneladas de frango exportadas pelo Brasil foram destinados a mercados que exigem o abate halal. O principal cliente brasileiro é a Arábia Saudita, seguida por Emirados Árabes, África do Sul, Kuwait e Iraque. Agora, os exportadores brasileiros querem que o frango halal produzido aqui atinja outros mercados com população islâmica, em outras regiões do mundo.
A Malásia já fez inspeções de plantas de abate de frango brasileiras, mas o processo de negociação ainda não foi finalizado. Santin diz que também há troca de documentos com o Paquistão, visando abrir o mercado do país, outro consumidor importante de frango halal.
A Indonésia, onde mais de 85% da população é muçulmana, é outra meta dos exportadores brasileiros, mas resiste a abrir seu mercado ao frango nacional. Segundo Ricardo Santin, apesar de o Brasil ter atendido os requisitos para exportar frango à Indonésia, o país asiático não dá o sinal verde ao produto nacional. As negociações já duram seis anos.
O Brasil não é o único a enfrentar a oposição do maior país muçulmano do mundo: os EUA também tentam vender seu frango halal ao país, mas não conseguem. Por isso, os americanos avaliam abrir painel na Organização Mundial do Comércio (OMC) para resolver a questão, afirma o executivo. Segundo ele, o Brasil pode entrar como parte interessada nesse processo, caso este seja aberto.
Santin prevê que o acesso a esses mercados poderia elevar as exportações de frango halal dos atuais 45,6% do total vendido ao exterior para 50% num prazo de cinco anos. A posição já consolidada do Brasil nesse mercado e o crescimento vegetativo da população também devem contribuir para o avanço, segundo o diretor da Ubabef.
Ainda que esteja na liderança desse mercado, o Brasil enfrenta a pressão de alguns países importadores, que buscam ampliar sua produção local, e de competidores, como Tailândia, Argentina, Chile e Turquia, que também produzem frango de acordo com as regras do islã. Apesar de menores, esses produtores conseguiram ampliar sua fatia no mercado global de halal em 2012, fazendo a parcela brasileira no “bolo” internacional cair de 40% em 2011 para 38% ano passado, segundo Santin.
Mas, para o diretor da Ubabef, o Brasil tem vantagens em relação aos concorrentes – o fato de ser um fornecedor tradicional é uma delas. Além disso, a disponibilidade de grãos para alimentação das aves é outro fator favorável ao Brasil em tempos de preços ainda elevados da matéria-prima para a ração.
Países já tradicionais importadores, como o Iraque, têm mostrado a intenção de ampliar as compras do Brasil. No mês passado, uma comissão do Ministério do Planejamento do Iraque visitou frigoríficos e abatedouros brasileiros no Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná e São Paulo. Nisreen Sami Swadi, diretora-geral do Departamento de Qualidade e Controle do Ministério do Planejamento do Iraque, veio inspecionar as plantas e elogiou a qualidade dos procedimentos adotados no Brasil na produção de frango halal.
O Brasil exporta dois tipos de frango halal para seus clientes: o griller, que pesa de 800 a 1.300 gramas (mais de 80% do total exportado) e um frango desossado com dois quilos, em média, usado no tradicional shawarma, prato composto de fatias finas de frango assado em um espeto vertical.
Mohamed Hussein El Zoghbi, presidente da Federação das Associações Muçulmanas no Brasil (Fambras), avalia que há espaço para o país crescer nesse mercado. “Um terço da população global é muçulmana, e os países islâmicos são importadores de alimentos”, argumenta. Mas, acrescenta ele, o Brasil também depende do mercado halal, como atestam os números.
Abate obedece a regras específicas
A área de abate de uma planta que produz frango ou bovinos halal deve estar voltada para a cidade de Meca, na Arábia Saudita, considerada sagrada para os muçulmanos. Essa é a exigência mais conhecida, mas não a única. O responsável pelo abate, chamado de degolador ou sangrador, deve ser muçulmano. E antes de cada operação, tem que dizer a frase “Bismillah Allahu Akbar”, que significa ” Em nome de Deus, o mais bondoso, o mais misericordioso” ou “Em nome de Deus, Deus é maior”.
Para executar o trabalho, ele deve utilizar uma lâmina higienizada, bem afiada e sem serra. O corte deve ser feito no formato de meia-lua, atingindo traqueias e jugulares para garantir que a morte do animal seja rápida e que este não sofra, explica Mohamed Hussein El Zoghbi, presidente da Federação das Associações Muçulmanas no Brasil (Fambras). Após o abate, o esgotamento do sangue do animal deve ser completo.
Ahmed Nabil, um agrônomo egípcio de 30 anos, vive em Itapiranga (SC) há três anos, onde trabalha como supervisor e monitor de abate halal de frango em um frigorífico de aves. Ele é funcionário da Central Islâmica Brasileira de Alimentos Halal (Cibal Halal), braço operacional da Fambras, e começou trabalhando como sangrador, atividade que ainda faz eventualmente. Muçulmano praticante, uma exigência para trabalhar no abate halal, Nabil reza cinco vezes por dia – na unidade, há uma sala para que os muçulmanos que trabalham no local possam fazer suas orações.
Uma de suas atribuições, explica, é também garantir a higiene do local de abate e que os profissionais utilizem todos os equipamentos de proteção, como luvas de metal, por exemplo.
Para Nabil, sua atividade o conecta com Alá. “É como se eu estivesse rezando. E cada vez que rezo, estou mais perto de Deus”, afirma ele. É um trabalho que o deixa feliz, mas também demanda grande responsabilidade, já que os clientes são exigentes quanto aos procedimentos do abate halal.
As empresas que fazem esse tipo de abate também têm regras a seguir: as linhas de produção para processamento do produto halal devem ser exclusivas, assim como as câmaras frias para armazenamento do frango. O transporte do produto também deve ser feito em contêineres separados.
Isso é necessário para que não haja contaminação com outros produtos que não sejam halal, isto é, que não sejam permitidos pelas regras islâmicas. Os mais importantes entre os produtos considerados impuros (ou haram) são suíno e derivados e álcool.
A regra está no Alcorão, o livro sagrado do islã. Na surata (ou capítulo) 5ª, o versículo 3 º diz: “Estão-vos vedado: a carniça, o sangue, a carne de suíno e tudo o que tenha sido sacrificado com a invocação de outro nome que não seja Deus”.
Todo o processo de abate halal deve ser supervisionado por uma entidade muçulmana. No Brasil, uma das mais importantes é a Cibal Halal, que audita os processos para verificar se as regras estão sendo cumpridas e se não há contaminação com produtos considerados ilícitos. A Fambras certifica o processo.
O Brasil exporta frango halal desde meados dos anos 70 e também é um importante fornecedor de carne bovina produzida de acordo com os princípios do islã. De acordo com a Cibal Halal, cerca de 41% da carne bovina exportada pelo Brasil em 2012 foi produzida conforme as regras muçulmanas. Isso significa cerca de 460 mil toneladas. Os principais mercados nesse segmento são Arábia Saudita, Egito, Líbia, Kuwait, de acordo com a Associação Brasileira da Indústria Exportadora de Carne (Abiec).
O mercado mundial de alimentos halal (in natura e industrializados) cresce 15% ao ano e movimentou US$ 650 bilhões em 2012, segundo a Fambras.
Segundo Mohamed El Zoghbi, as exportações de carnes de frango e bovina do Brasil atingem apenas 20% da população islâmica do mundo, o que indica potencial para expansão nesse mercado.