Em duas semanas, o governo brasileiro tentará uma jogada ambiciosa para enfrentar uma das principais críticas ao Mercosul, a de que é um arranjo muito imperfeito – um ensaio de integração econômica e comercial perfurado de exceções, que impedem o livre trânsito de mercadorias e atrapalham negócios das empresas dedicadas ao bloco regional. O Brasil que fixar, com os sócios, datas e métodos para remover os obstáculos que ainda existem à integração comercial nos países do Mercosul. A recepção da proposta entre os técnicos dos quatro países, reunidos na semana passada, não permite muito otimismo, porém.
Durante dois dias, na semana passada, diplomatas e técnicos do Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai debateram sugestões como a meta de 1º de janeiro de 2011 para que todas as alfândegas desses países estejam integradas eletronicamente e unificados os procedimentos e normas dos fiscais aduaneiros em todas as fronteiras do Mercosul. A proposta também estabelece etapas (até 2017) para que, uma vez ingressada em algum dos países do bloco, uma mercadoria possa transitar por todos os outros sem ter de pagar novamente tarifa de importação.
Os cronogramas e medidas discutidos pelos negociadores devem orientar a próxima reunião de cúpula do bloco, nos dias 16 e 17 de dezembro, em Foz do Iguaçu, e, na falta de acordo, a decisão ficou para os ministros e presidentes. No campo econômico, a discussão está concentrada no que os diplomatas chamam de “consolidação da união alfandegária”, uma agenda de 28 capítulos e algumas dezenas de artigos. Como antecipou em outubro ao Valor o ministro de Relações Exteriores, Celso Amorim, o objetivo do governo brasileiro é criar “metas” para uma “integração plena” entre os países.
País quer remover obstáculos à integração no bloco
Hoje, em vez de tarifas homogêneas, Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai cobram, cada um, diferentes alíquotas de imposto de importação sobre bens de informática e telecomunicações e sobre máquinas e equipamentos para a indústria (os chamados bens de capital). Dono de uma diversificada indústria de máquinas e equipamentos, o Brasil tem tarifas mais altas, para proteger a produção local, enquanto os sócios obtiveram, na marra, permissão para importar com tarifas mais baixas, barateando investimentos e evitando uma dependência excessiva dos equipamentos produzidos no maior país do bloco.
Os uruguaios costumam criticar a subordinação dos interesses do Mercosul às conveniências do sócio mais forte. Eles reclamam da insistência brasileira em tarifas mais altas para os bens de capital; queixaram-se também da resistência brasileira a incluir, no documento de “Consolidação” uma regulamentação mais rígida para concessão de incentivos fiscais e financeiros (o Brasil, país com maior capacidade para dar incentivos, não quer perder a autonomia que tem para dar fôlego à indústria nacional).
As ambições do Itamaraty se estendem à criação de regimes especiais conjuntos de apoio a setores empresariais – o documento prevê a consolidação, até o fim de 2011, de um esquema desses, com facilidades para os investidores, voltado para as indústria naval e aeronáutica; até o segundo semestre de 2014 seria criado um para os setores de saúde e educação, entre outros.
As sugestões brasileiras correm o risco, porém, de se transformarem em uma lista de compromissos genéricos, longe da intenção manifestada por Amorim, de aprofundar as normas comuns entre os países do Mercosul. Em alguns casos, quem resiste às definições são os sócios do Brasil; em outros, são os próprios brasileiros que rejeitam a perda de soberania que implica esse tipo de acordo.
Paralelamente, porém, os setores ligados à indústria dos dois governos mostram a necessidade de uma maior coordenação entre os países, para extrair o máximo de vantagens do interesse mundial pelos mercados da região. Na sexta-feira, Argentina e Brasil anunciaram a intenção de negociar uma proposta comum para discutir, em 2011, com as montadoras de automóveis, responsáveis por um terço do comércio entre os dois países. A intenção dos dois governos é pressionar as empresas multinacionais para que incluam Brasil e Argentina entre seus centros de desenvolvimento de novas tecnologias, de materiais e máquinas inovadores a combustíveis alternativos.
Assumiram o desafio de mostrar que os dois países, coordenados, têm mais chance de obter resultados favoráveis do que se competirem entre si pelas boas graças dos investidores.