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Economia

Brasil vai resistir à China

<p>Para o professor ingles Rhys Jenkins, País não será um mero produtor de commodities. Leia entrevista.</p>

A competição da China afeta alguns setores da indústria brasileira, mas a ascensão global do país asiático não deve transformar o Brasil num mero produtor de commodities, avalia o economista Rhys Jenkins, da Universidade de East Anglia, na Inglaterra. Para ele, há “um certo paralelo” entre a situação atual da América Latina e aquela que existia no fim do século XIX e no começo do século XX, quando a Inglaterra era a grande potência econômica global e os países da região se especializaram na exportação de produtos primários.

Hoje é a China que está na posição da Inglaterra, o que pode levar “alguém a concordar que a ascensão da China pode transformar o Brasil num país exportador de commodities”. “No entanto, o Brasil tem hoje uma base industrial muito mais sofisticada do que tinha naquela época e, ainda que possa haver alguma desindustrialização relativa, no sentido de queda da fatia da indústria manufatureira no PIB, é improvável que haja uma redução absoluta da produção industrial”, diz Jenkins, que coordena um projeto de pesquisa sobre o impacto da expansão global chinesa sobre a América Latina. Ele observa ainda que, “no total, os bens chineses representam apenas 3% ou 4% de todos os bens manufaturados vendidos no Brasil”.

A seguir, os principais trechos da entrevista, concedida por e-mail. Jenkis participa hoje da 3ª Conferência Internacional – Presença da China na América Latina, promovida pelo Conselho Empresarial Brasil-China, em São Paulo.

Valor: Em março, a China se tornou o principal destino das exportações brasileiras. É uma tendência irreversível?

Rhys Jenkins: A China deve se tornar um parceiro comercial cada vez mais importante para o Brasil à medida que a fatia da China no PIB global e no comércio internacional continuarem a crescer. A participação da China no comércio global é atualmente menos da metade da fatia chinesa da população mundial, e isso certamente deve aumentar.

Valor: Quais são os principais impactos da ascensão da China sobre a economia brasileira?

Jenkins: A ascensão da China teve impactos diretos e indiretos sobre a economia brasileira. Os impactos diretos se referem ao comércio bilateral e aos fluxos de investimento. Os fluxos comerciais são bem mais significativos, com o investimento ainda muito atrás. Há também impactos indiretos significativos, porque a China tem um grande efeito nos mercados globais. Um aspecto positivo é o impacto da demanda chinesa nos preços das commodities no mercado internacional, o que significa que o Brasil se beneficia não apenas de exportações maiores para a China, mas também de cotações mais elevadas paras as exportações para todo o mundo. Os preços ficaram mais altos do que seriam na ausência do empurrão dado pela demanda chinesa. Por outro lado, as indústrias que competem com bens chineses nos mercados da América do Norte e da Europa viram o lado negativo da ascensão da China.

Valor: Como as autoridades brasileiras devem agir para se beneficiar do crescimento da China?

Jenkins: As exportações brasileiras para a China ainda são basicamente de produtos primários com relativo baixo grau de processamento. Elas ainda estão concentradas num número pequeno de produtos, havendo a necessidade de diversificar a abrangência das exportações. Isso requer negociações com o governo chinês para obter um melhor acesso ao mercado do país para os produtos brasileiros e esforços para encorajar e apoiar potenciais exportadores. Um primeiro passo foi tomado no ano passado para identificar os produtos com perspectivas favoráveis no mercado chinês com a iniciativa da Agenda China (conjunto de medidas para agregar valor às exportações brasileiras para o país asiático).

Valor: Muitas empresas brasileiras de manufaturas reclamam da competição chinesa, tanto no Brasil como em outros mercados. Em que medida a competição chinesa afeta o setor privado brasileiro?

Jenkins: Não há dúvida que a crescente competição chinesa afetou algumas indústrias e empresas, mas é importante distinguir entre o impacto no mercado brasileiro e em outros mercados. Nos mercados de exportação, a crescente competitividade dos produtores chineses é claramente negativa para os exportadores brasileiros, que enfrentam preços menores e perda da fatia de mercado. Os principais beneficiários são os consumidores estrangeiros. Quando os produtos chineses são importados pelo Brasil, os produtores domésticos de bens podem perder, mas outras empresas que os utilizam como insumos ganham, assim como os consumidores, que se beneficiam quando os preços caem. Desse modo, o impacto das importações chinesas baratas sobre o setor privado brasileiro é misto. Pelo menos no começo, a expansão das importações da China ocorreu principalmente em detrimento de outros exportadores para o Brasil, mas mais recentemente parece que alguns indústrias domésticas foram mais seriamente afetadas. Apesar disso, é necessário lembrar que, no total, os bens chineses representam apenas 3% ou 4% de todos os bens manufaturados vendidos no Brasil.

Valor: Alguns analistas temem que a ascensão da China na economia global torne o Brasil basicamente num exportador de commodities, provocando a doença holandesa e, com isso, a desindustrialização. Esses são riscos reais?

Jenkins: Há um certo paralelo entre a situação na América Latina hoje e aquela que existia na região no fim do século XIX e começo do século XX, quando a Inglaterra era a grande potência econômica global e a América Latina se especializou em produzir commodities para a exportação. A China hoje, como a Inglaterra no século XIX, é um país pobre em recursos que depende de grandes importações de materiais primários de todo o mundo para abastecer o seu setor manufatureiro. Isso pode tentar alguém a concordar que a ascensão da China pode transformar o Brasil num país exportador de commodities. No entanto, o Brasil tem hoje uma base industrial muito mais sofisticada do que tinha naquela época e, ainda que possa haver alguma desindustrialização relativa, no sentido de queda da fatia da indústria manufatureira no PIB, é improvável que haja uma redução absoluta da produção industrial como resultado considerável.

Valor: O sr. acredita que os Bric vão abandonar gradualmente o dólar em suas transações, adotando as suas próprias moedas, ou a divisa americana deve continuar como a moeda do comércio global por um longo período?

Jenkins: Parece improvável que o comércio feito com as moedas dos Bric vá afetar significativamente a dominação do dólar num futuro previsível. Continua a haver a necessidade de uma moeda internacional para ser usada no comércio. Um cenário mais provável que a substituição do dólar pelas moedas domésticas é a criação de uma divisa verdadeiramente internacional, mas isso também está um pouco distante.