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Economia

Bric deve discutir moeda

Grupo de pesquisadores defende papel mais influente no modelo do sistema financeiro internacional do pós-crise.

Bric deve discutir moeda

Brasil, Rússia, China e Índia devem coordenar-se para influir no modelo para o sistema financeiro internacional que emergirá da crise mundial, defenderam, ontem, dirigentes de alguns dos principais centros de estudo desses países, em seminário que antecedeu o início da cúpula de chefes de Estado dos chamados Bric, que começa hoje em Brasília. Os pesquisadores também defenderam as discussões entre os governantes para a criação de mecanismos monetários que dispensem o uso do dólar nas transações internacionais e preparem para uma eventual substituição da moeda americana como referência internacional.

“Não pensamos que o sistema monetário dominado pelo dólar seja moldado no futuro próximo, mas iniciativas como diversificação das reservas internacionais podem coexistir com esse regime”, comentou o vice-presidente da Academia de Ciências da China, Li Yang, que defendeu, porém, a construção gradual de alternativas ao dólar. “Não acreditamos em alterações significativas agora. Observamos com interesse acordos de comércio com trocas diretas de moedas locais.”

“Estamos num processo de rearticulação do sistema político econômico internacional, e, nesse processo ou as regras continuarão a privilegiar alguns países ou teremos uma situação de acordo com a dimensão de nossas sociedades”, disse o ministro de Assuntos Estratégicos, Samuel Pinheiro Guimarães, defendendo aliança entre os Bric para influir nas novas regras financeiras internacionais.

No discurso mais enfático do seminário, Pinheiro Guimarães acusou os países desenvolvidos de pressionarem para evitar a emergência de novos atores nas esferas mundiais de decisão. “A crise ambiental passa pelas fontes renováveis de energia, pela energia nuclear, e precisamos saber que controlará o processo nuclear”, disse. “No fundo há uma disputa tecnológica e científica entre países”, disse. “Isso está em foco: saber se algumas nações continuarão a se achar superiores, e, portanto, com mais direitos, ou não”, insistiu, reivindicando apoio para a reforma do Conselho de Segurança da ONU, onde Índia e Brasil ambicionam um assento permanente.

Li Yang previu que mudar o sistema monetário mundial será “árduo e de longo prazo” e sugeriu maior cooperação em termos de administração de reservas internacionais, diversificando o uso de moedas. O diretor do Instituto de América Latina da Academia de Ciências da Rússia, Vladimir Davidov, previu a criação de alternativas “por regiões geográficas”, como a criação de um Fundo Monetário Europeu, à parte do Fundo Monetário Internacional (FMI).

Intelectuais dos quatro países concordaram que será necessário cooperar para garantir a reforma do FMI e das regras que regem as finanças. Reconheceram, porém, que apesar do grande aumento na presença desses países no cenário internacional, eles são incapazes de compensar, com investimentos e importações, o peso do declínio americano na economia mundial.

O título do seminário, “Cúpula Bric de Think Tanks” era um atestado da resistência dos conceitos anglo-saxões nas relações entre os Bric – uma sigla, aliás, criada por um economista de financeira sediada nos EUA. Na entrevista que se seguiu às apresentações, nas quais inglês e português foram alternados como língua oficial, a falta de uma língua comum aos participantes teve um exemplo prosaico, quando o pesquisador da China teve de usar dois tradutores, um que vertia suas respostas para o inglês e outro que as traduzia do inglês ao português.

As propostas para as diversas discussões internacionais também têm pontos de conflito, como reconheceram os debatedores (a Rússia, por exemplo, está satisfeita com o peso que tem no FMI; o Brasil, não). Mas, como explicou o presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Márcio Pochmann, que preparou o seminário, com a Academia de Ciências da China, a primeira reunião de centros de estudos dos quatro paises abre possibilidade de pesquisas conjuntas, com pontos de vista mais úteis para a tomada de decisão dos chefes de Estado. “Precisamos ver a nós mesmos com nossos próprios olhos”, definiu Pinheiro Guimarães.

Como mostrou o diretor do Instituto de Estudos da Ásia e Pacífico, Li Xiangyang, pelo menos um ponto aproxima os quatro países e os diferencia das nações desenvolvidas: enquanto Europa, Japão e Estados Unidos ainda se debatem com as consequências da crise financeira, o problema, nos Bric é evitar superaquecimento da economia, entrada de capital especulativo e pressões inflacionárias.

“A cooperação entre nós pode nos trazer benefícios mútuos”, defendeu Li Yang. “O atual sistema monetário internacional é desfavorável aos países em desenvolvimento”, comentou Li, defendendo mudanças na estrutura do FMI. Foi apoiado por Pochmann, que defendeu uma aliança entre os Bric para “um novo padrão de consumo e produção” e a formação de um sistema monetário que não se baseie na moeda de um só país.