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Cai fatia argentina no mercado de grãos

Safra do país vizinho deve recuar 30% em virtude de clima adverso e menos investimentos na produção.

A Argentina caminha para registrar a pior colheita de grãos em dez anos, com uma queda de 30% da produção total na safra 2008/09, para cerca de 67 milhões de toneladas. Com isso, o país que já vinha perdendo mercado na carne, vai diminuir também sua fatia no mercado internacional de grãos. O motivo: queda dos investimentos do setor e restrições auto-impostas para exportações. A esses dois fatores, que se acumulam desde 2007, somou-se este ano a pior seca nas últimas cinco décadas.

Em seu relatório de oferta e demanda mundial divulgado no dia 9, o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA) estimou que a safra de milho argentina será de 13,5 milhões de toneladas em 2008/09, com uma queda de 38,6% comparada à safra anterior. Para a produção de girassol, a previsão da Bolsa de Cereais de Buenos Aires é de uma queda de 35%, para 3 milhões de toneladas.

O cenário para trigo e soja é ainda mais dramático. O USDA confirma a queda de 50% da produção de trigo, de 16,3 milhões de toneladas para 8,4 milhões este ano, e de 18,8% para a soja. A estiagem que atingiu todas as principais regiões produtoras entre dezembro e janeiro, comprometeu a soja já semeada reduzindo seu rendimento de 2,8 toneladas por hectare para 2,3, explica Rogelio Pontón, diretor da divisão de Estudos Econômicos (DIyEE) da Bolsa de Comércio de Rosário.

Terceira maior exportadora de soja em grão do mundo, depois dos Estados Unidos e Brasil, e primeira em derivados (farelo e óleo), a Argentina deverá colher 39 milhões de toneladas dessa oleaginosa este ano, na previsão do USDA. Isso representaria quase 10 milhões de toneladas menos que a safra passada. Para muitos, a estimativa do USDA é otimista. Pablo Andreani, economista e sócio da consultoria Agripac, disse que os produtores com quem ele trabalha já falam em uma produção máxima de 34 milhões a 35 milhões de toneladas, ou seja, 27% menos que na safra passada.

A queda da produção de grãos argentina aumenta a diferença em relação ao Brasil, conforme demonstra trabalho recém concluído pelo Instituto de Estudos da Realidade Argentina e Latino-americana (Ieral), ligado à Fundação Mediterrânea. Há dez anos, Brasil e Argentina tinham participações de 3,7% e 3,3%, respectivamente, na produção mundial. De lá para cá, o ritmo de avanço da produção de ambos cresceu, mas o Brasil ampliou mais a margem que a Argentina.

Depois de atingir sua participação mais elevada, com 4,3% na safra 2006/07, a Argentina começou a recuar. Naquela temporada, a fatia brasileira atingiu 5,9%. No ciclo 2008/09, a Argentina deverá representar 2,9% da produção produção mundial de grãos, enquanto o Brasil, cujos problemas climáticos foram concentrados na região Sul e em Mato Grosso do Sul, deverá ficar com 5,5%, conforme o Ieral. Juntos, os principais sócios do Mercosul responderão por 8,4% do total em 2008/09, ante 10,2% em 2006/07 e 2007/08.

“O Brasil conseguiu superar a contradição entre exportações e mercado interno na produção de alimentos, resistindo à tentação fiscal quando os preços estavam em alta”, comenta o autor do estudo, o economista Jorge Vasconcelos. Ele se refere à disputa entre governo e agricultores em torno de um aumento dos impostos sobre exportações.

A brecha entre os dois principais sócios do Mercosul se amplia quando se fala em futuro. Produtores, analistas e especialistas no agronegócio argentino são quase unânimes em culpar o governo da presidente Cristina Kirchner pelo mau desempenho do setor agropecuário. “Não há nenhuma medida para promover a produção, as expectativas são negativas”, diz Andreani.

Durante uma conferência na última terça-feira, na sede do Movimento Produtivo Argentino, o empresário Gustavo Grobocopatel, considerado o “rei da soja”, alertou para a forte deterioração das estimativas de produção do país: “há dois anos prevíamos que a produção argentina chegaria a 100 milhões de toneladas e atingiria 150 milhões em 2012”. Para Grobocopatel, o país está não apenas se distanciando destes números, mas corre o risco de ter que importar trigo e carne se não recuperar sua produção. “Enquanto no Brasil há previsões de chegar a 300 milhões de toneladas nos próximos dez anos, aqui ainda estamos enredados no conflito com o campo”, completa Jorge Vasconcelos.