Colocada no topo das prioridades do Ministério da Fazenda nas últimas semanas, a ofensiva contra a valorização do real frente ao dólar, através do uso do Fundo Soberano do Brasil é, por definição, controversa. Coloca em xeque o regime de taxa de câmbio flutuante, onde quem forma preço é o mercado, cabendo ao Banco Central intervir para aparar as altas volatilidades e acumular reservas (pelo menos esse era o discurso). O BC, no novo sistema, em detalhamento pelo Tesouro Nacional e a autoridade monetária, tenderia a se concentrar mais na compra de reservas cambiais para deixar o país com baixa vulnerabilidade externa, enquanto o Fundo Soberano entraria “com uma visão mais estratégica, de evitar os excessos na apreciação ou depreciação da moeda local”, explicam economistas que trabalharam na defesa da atuação do FSB no mercado de câmbio.
O argumento dessas fontes é que o mundo todo, hoje, está convergindo para uma política de flutuação moderada, administrada, da taxa de câmbio. A ação do Japão na semana passada seria emblemática dessa nova fase. Lá o governo interveio no câmbio pela primeira vez em seis anos, para evitar que a persistente depreciação do dólar (frente às principais moedas) continue prejudicando a economia do país.
Regime caminha para flutuação “imunda”
Aqui, desde a taxação das operações de câmbio pelo IOF, no início do ano, tentou-se evitar que o dólar caísse abaixo de R$ 1,70. Mesmo com as compras, pelo BC, superiores em mais de US$ 5 bilhões ao fluxo de dólares este ano, a cotação, que bateu em R$ 1,8811 em maio, caiu para R$ 1,7076 no dia 14. Esse foi o sinal para o ministro Guido Mantega anunciar que tomaria medidas e preparar o roteiro das intervenções do FSB com recursos da Conta Única do Tesouro.
O ministro disse que não operará com banda cambial nem terá uma taxa alvo. Mas o fato é que a política de “flutuação suja” – sujeita à ação do BC – inaugurada em 1999, passa a ter o reforço do FSB e vai se tornando uma flutuação “imunda”, com dois grandes compradores de moeda estrangeira e objetivos distintos.
A própria ideia de reforçar as intervenções do BC, porém, faz pouco sentido pois o Banco Central nunca teve qualquer limitação de recursos para comprar dólares.
Para reduzir o campo de conflitos entre as duas autoridades, Mantega concordou que o FSB compre moeda em leilões do BC. Ainda assim há muito o que explicar, a começar de como será a definição de preços, ou como o BC vai conciliar as compras para o fundo com as suas próprias.
A defesa de uma flutuação “administrada” da taxa de câmbio consta de um texto apresentado pelo secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, Nelson Barbosa, no 7º Fórum de Economia da FGV -SP, há três semanas. Intitulado “Duas Não Linearidades e uma Assimetria – Observações sobre a Taxa de Câmbio no Brasil”, o trabalho advoga que “faz sentido lutar contra apreciações ou depreciações excessivas, porque o crescimento econômico tende a se desacelerar quando a taxa de câmbio real é demasiado alta ou demasiado baixa”. O estudo procura mostrar de que modo a combinação do regime de câmbio flutuante com o sistema de metas de inflação limita a volatilidade do câmbio e analisa as relações deste com o crescimento, com a inflação e com a política fiscal.
Barbosa indica que a resposta de política econômica à apreciação ou depreciação cambial num país sob o regime de metas de inflação, e que tenta evitar a volatilidade excessiva na sua taxa real, é assimétrica. Diante da apreciação excessiva, a tendência é acumular reservas; frente à depreciação excessiva, busca-se uma política monetária contracionista, com alta dos juros.
Ele dedica parte do estudo, também, ao exame da relação entre política fiscal e taxa de câmbio, em resposta aos analistas que atribuem à política fiscal expansionista do governo um dos principais determinantes da apreciação cambial. O aumento do gasto público, dizem, acelera a atividade econômica, produz juros altos e gera apreciação cambial devido à arbitragem de taxa de juros.
O secretário sustenta que a política fiscal não tem pressionado “excessivamente” o nível de atividade e, portanto, não pode ser responsabilizada pela apreciação. Mais, diz ele: ela foi um dos principais instrumentos de estímulo ao crescimento e desenvolvimento econômico e social do Brasil.
A taxa de câmbio real é um determinante importante do crescimento, mas não é o único, ressalta o secretário, que lista o que seria uma agenda do desenvolvimento para 2011-2014. “Outros fatores, como a política tributária, condições de financiamento doméstico e regulação de mercados”, assim como obras de infraestrutura, assumem relevância crescente na aceleração do crescimento, conclui ele.
Dado que a apreciação do real é uma tendência que nem mesmo a flutuação “administrada” do câmbio vai impedir, as medidas citadas por Barbosa poderiam, gradualmente, substituir a velha fórmula do desenvolvimento nacional: câmbio desvalorizado e compressão do salário real.
Claudia Safatle é diretora de redação adjunta e escreve às sextas-feiras