A mudança cambial na Venezuela preocupa os exportadores de alimentos do Brasil, que vinham se beneficiando da taxa favorável que era aplicada às importações de itens básicos. Como primeiro impacto, importadores venezuelanos já suspenderam o fechamento de novos negócios para compra de gado vivo. Entretanto, exportadores brasileiros ainda esperam que os efeitos sobre as vendas para a Venezuela não sejam grandes, já que o país vizinho depende dos itens importados, pois a produção local não supre a demanda.
Na semana passada, o governo venezuelano anunciou a “unificação” das taxas de câmbio do país em 4,3 bolívares por dólar. A Venezuela convivia com duas taxas oficiais: 2,6 bolívares por dólar para a importação de alimentos, remédios e outros itens essenciais e 4,3 bolívares por dólar para todo o resto. Para analistas, a “unificação” não passa de uma desvalorização da moeda para um setor importante do país.
O Brasil é um importante fornecedor de gado, açúcar e frango congelado para a Venezuela. Esses três itens representam quase 40% das exportações brasileiras para o vizinho. No ano passado, a exportação desses ítens rendeu ao Brasil perto de US$ 1,5 bilhão.
No caso do gado bovino em pé para abate, o principal item na pauta das exportações do Brasil para a Venezuela, a expectativa é de efeitos no curto prazo. A Venezuela é hoje o principal destino do gado vivo exportado pelo país. Entre janeiro e novembro do ano passado, o Brasil vendeu 580 mil animais ao exterior. Desse total, 532,7 mil cabeças foram para a Venezuela, conforme dados do Ministério do Desenvolvimento. As vendas equivalem a US$ 547,5 milhões.
Como primeiro impacto do fim da taxa preferencial para importação de alimentos, os venezuelanos suspenderam o fechamento de novos negócios de compra de gado vivo, segundo Alcides Torres, diretor da Scot Consultoria, especializada em pecuária de corte. A razão é que, com a desvalorização, o produto importado ficou mais caro. “De imediato, as vendas devem cair, mas depois se ajeitam”, afirmou.
Um exportador do setor, que pediu para não ser identificado, disse que é natural que haja uma suspensão temporária de novos negócios enquanto ocorre um realinhamento dos preços por conta da desvalorização. Ele não acredita, porém, em recuo nas vendas, já que a Venezuela depende das importações, já que não tem produção local. “Não há outro país de onde possam importar [gado vivo].”
Com a maior dificuldade de vender gado vivo ao país de Hugo Chávez, o Brasil terá de buscar outros mercados para os animais em pé. Já vende para Líbano e Egito, mas perdeu algum espaço no primeiro para a Colômbia, por conta da alta da arroba do boi no Brasil e do real valorizado em relação ao dólar, disse Torres.
Um exportador admitiu que o câmbio venezuelano valorizado vinha estimulando as vendas de boi em pé para o país. Ele afirmou que agora deve haver mais embarques para outros países importadores, como Líbano.
Uma fonte de setor frigorífico no Brasil acredita que as exportações brasileiras de carne bovina à Venezuela devem ser mais afetadas do que as de animais vivos. O motivo é o apelo “social” do gado em pé, uma vez que o animal vivo é exportado para abate em frigoríficos na Venezuela, ou seja, gera empregos naquele país.
No setor de açúcar, a expectativa também é que o Brasil não vá deixar de exportar para o vizinho. “A dependência da Venezuela [em relação ao açúcar brasileiro] é bastante grande. Estamos acompanhando a situação de perto, mas não esperamos impacto grande no curto prazo”, disse Eduardo Leão de Souza, diretor executivo da Unica (União da Indústria de Cana de Açúcar).
Leão de Souza lembra que o consumo de açúcar na Venezuela chega a 1,2 milhão de toneladas por ano. O país produz 500 mil toneladas e importa 700 mil toneladas. Só do Brasil, comprou no ano passado 350 mil toneladas.
Para a União Brasileira de Avicultura (Ubabef), “o maior impacto será para o consumidor venezuelano, que poderá reduzir o consumo e exigir novas formas de subsídio do governo para poder continuar comprando a proteína mais consumida, mais barata e mais popular”. “Pelas experiências já vividas com a economia venezuelana, não se espera reflexo com relação às exportações brasileiras.”
O analista venezuelano Luis Vicente León, diretor do instituto Datanálisis, diz que o impacto da desvalorização “sem dúvida deve ser muito grande na parcela mais pobre da população” do país. “O orçamento das famílias de classe C e D chega a ser comprometido em 65% para a compra de alimentos e remédios.” Segundo o Datanálisis, as classes A, B e C comprometem até 43% de seus orçamentos com a compra desses ítens.
Para León, o governo deve anunciar em breve medidas para garantir a oferta de produtos no mercado e a manutenção artificial dos preços em patamares parecidos com os de hoje. E isso, segundo ele, deverá criar ainda mais distorções na economia do país. “O governo dá indícios de que vai apertar a política de controle de preços. Espera assim corrigir uma distorção ao aumentar outra. Se decidirem controlar os preços, ficará impossível sustentar a produção local.”