A instabilidade excessiva e uma desvalorização muito acentuada do câmbio podem dificultar o projeto do governo de reduzir os juros para níveis mais baixos, provocando também incertezas num país hoje mais integrado à economia internacional, advertem alguns economistas. Além de um eventual impacto inflacionário, um risco que hoje parece pequeno, um dólar que oscila muito também afeta a vida de muitas empresas que tem dívida no exterior ou incluíram a importação na sua estratégia produtiva, influenciando também decisões de investimento no país – em renda fixa e na bolsa e também em atividades produtivas.
Para o ex-ministro das Comunicações Luiz Carlos Mendonça de Barros, o câmbio não pode ser visto apenas como um fator importante para a rentabilidade da indústria, como, segundo ele, parece acreditar o Ministério da Fazenda. “O câmbio tem hoje uma grande abrangência no equilíbrio macro e microeconômico do país.” O Brasil, lembra ele, tem um déficit em conta corrente (resultado das transações de bens, serviços e rendas com o exterior) que, se não é enorme, tampouco é desprezível, e precisa ser financiado – nos 12 meses até abril, somou 2,04% do Produto Interno Bruto (PIB), ou US$ 51,6 bilhões.
Um dólar volátil demais pode inclusive afetar decisões de empresas estrangeiras de investir no setor produtivo, diz ele – que, no entanto, não atribui ao movimento do câmbio o fluxo recente um pouco menor de investimentos estrangeiros diretos. Também ex-presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Mendonça de Barros destaca ainda que uma alta muito forte do dólar afeta as empresas que se endividaram no exterior, muitas vezes a um custo menor por prazos mais dilatados.
Para ele, o movimento recente do câmbio atrapalhou até mesmo as vendas de títulos da dívida pública. No dia 22, quando o dólar testou o limite de R$ 2,10, o Tesouro ofertou três lotes de NTN-Bs (papéis atrelados ao Índice de Preços ao Consumidor Amplo) com vencimento em 2016, 2018 e 2022, mas não vendeu nada. Muita volatilidade no câmbio pode afastar o investidor estrangeiro que ajuda o governo a alongar os prazos da dívida pública, a taxas mais baixas, não se tratando de um dinheiro especulativo, avalia ele, hoje sócio da Quest Investimentos.
Mendonça de Barros lembra que, nos últimos anos, um número muito maior de empresas passou a importar. Se o dólar sobe muito, isso pressiona os custos das companhias, podendo se traduzir em alguma inflação. Por tudo isso, ele acha que não faz sentido comemorar a depreciação mais acentuada do câmbio, como fez o ministro da Fazenda, Guido Mantega. O discurso tende a contribuir para desvalorizar ainda mais a moeda, num momento de incerteza no cenário externo, especialmente em relação à crise na Europa.
“Um câmbio muito desvalorizado e volátil pode colocar em risco o objetivo do governo de ter juros reais mais baixos”, diz ele, que vê um cenário de fato propício para o BC testar níveis menores para a Selic, com um quadro externo benigno para os preços, uma atividade doméstica fraca e um quadro de juros baixíssimos no mundo desenvolvido.
A alta mais forte do dólar incomodou o BC, que vendeu US$ 5,4 bilhões em swaps cambiais depois que o dólar se aproximou de R$ 2,10. Além disso, o sempre discreto diretor de Política Econômica do BC, Carlos Hamilton de Araújo, chegou a dizer publicamente que o excesso de volatilidade no câmbio era preocupante. Ontem, o dólar, que no fim de fevereiro estava em R$ 1,72, fechou em R$ 1,986.
Para o ex-presidente do BC Gustavo Loyola, sócio da Tendências Consultoria, o governo tem alguns objetivos simultâneos em alguma medida conflitantes, como o de desvalorizar deliberadamente o câmbio, reduzir os juros e ampliar o crédito. O real mais fraco tem algum efeito sobre a inflação, ainda que no momento o repasse da desvalorização da moeda para os preços seja limitado.
Loyola também nota que o país está hoje mais aberto do ponto de vista comercial e financeiro. Um câmbio muito volátil, para um país que precisa de poupança externa (que equivale ao déficit em conta corrente), pode ter efeitos negativos. Por fatores como esses, a moeda não pode ser tomada apenas como algo que vai melhorar a competitividade da indústria, por melhorar a rentabilidade das exportações e encarecer as importações, diz Loyola.
Em entrevista recente ao Valor, o ex-presidente do BC Ibrahim Eris afirmou que um câmbio na casa de R$ 2 tem risco inflacionário, ainda que melhore de fato a situação da indústria.
“Você não pode desvalorizar a moeda em 20% e achar que não vai ter nenhum impacto sobre a inflação, embora seja algo transitório”, disse Eris. Para ele, que vê espaço para o BC testar níveis de juros comparáveis aos internacionais, o câmbio mais desvalorizado pode exigir da autoridade monetária em algum momento uma parada no ciclo de redução da Selic, atualmente em 9% ao ano. Hoje, o Comitê de Política Monetária (Copom) deve cortar mais uma vez a taxa, para 8,5%, segundo a expectativa da maior parte do mercado.