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Campo deve crescer em ritmo mais lento

Queda dos preços das commodities agrícolas no exterior tira parte do fôlego do setor no Brasil.

Da Redação 29/07/2004 – 06h43 – São cada vez mais concretos os sinais de que o forte ritmo de avanço dos agronegócios brasileiros deve perder fôlego. Segundo especialistas ouvidos pelo Valor, isso não significa que o setor deixará de crescer nos próximos anos, mas sim que a velocidade desse crescimento tende a ser menor – o que, para muitos deles, já era esperado.

“O agronegócio está na base da retomada do otimismo em relação ao futuro da economia brasileira. Mas, para importantes culturas, estamos entrando em uma fase de arrefecimento depois do ciclo iniciado em 1999. Isso não quer dizer que o setor já cumpriu seu papel. Trata-se de ajuste cíclico em um longo processo de consolidação”, disse Paulo Rabelo de Castro, sócio da RC Consultores, em evento promovido ontem pela Serasa.

Da mesma forma que ajudou a impulsionar o campo brasileiro na temporada 2002/03 e mesmo em 2003/04 – quando a produção foi cerca de 10 milhões de toneladas menor do que indicavam as primeiras estimativas -, o comportamento das cotações das commodities agrícolas exportadas pelo país é hoje o principal foco de preocupação de produtores e indústrias.

Principalmente no caso da soja, carro-chefe da produção de grãos e da pauta de exportações do Brasil. Em média, os preços dos futuros do grão negociados na bolsa de Chicago acumularam alta de 4,53% no primeiro semestre, mas houve quedas em maio e junho. Ontem, os contratos para agosto (atualmente os de maior liquidez naquele mercado) fecharam a US$ 6,27 por bushel, em queda de 38,50 cents (5,79%). Há um mês, os papéis estavam em US$ 7,8250; há um ano, em US$ 5,34, segundo o Valor Data.

Só que, nesta mesma época de 2003, fase decisiva para o plantio da safra 2003/04, os preços começavam a ensaiar sua disparada em decorrência da expectativa de que uma estiagem pudesse comprometer a produção dos EUA, o que de fato aconteceu pela segunda temporada consecutiva. Hoje, porém, as perspectivas vão na direção contrária: o clima nos EUA têm se mostrado favorável e é esperada uma safra recorde superior a 80 milhões de toneladas em 2004/05 no país. Em 2003/04, foram 65,8 milhões.

“A definição da safra americana será em agosto, período de enchimento dos grãos. Mas, como o aumento previsto vem de novas regiões produtoras, é provável que a produtividade não seja tão grande e que a safra seja inferior a 80 milhões de toneladas mesmo com o clima favorável. E há notícias dando conta da disseminação de fungos em algumas áreas, outro fator preocupante. Mas, ainda assim, será muito difícil para o Brasil manter o atual nível de exportações”, afirmou Guilherme Bastos, consultor da Agroconsult.

Para o Brasil, que em virtude da perda de sustentação externa já tem questionadas as previsões iniciais de colher até 66 milhões de toneladas de soja em 2004/05, ante 50 milhões em 2003/04, a MSConsult projeta as exportações brasileiras do complexo (grão, farelo e óleo) em US$ 11,418 bilhões em 2004, ante US$ 8,125 bilhões em 2003 – um crescimento impulsionado pelo elevado patamar das cotações no primeiro semestre. O Ministério da Agricultura prevê para o acumulado do ano embarques totais dos agronegócios de cerca de US$ 35 bilhões, com superávit próximo a US$ 30 bilhões. Nos dois casos, são US$ 5 bilhões a mais que no ano passado, mas este aumento ainda reflete o desempenho do setor em 2003/04, que está no fim de sua comercialização. E Fabio Silveira, da MSConsult, prevê retração em 2005.

Novas estrelas da balança do setor, como algodão, milho e até o trigo, também estão sob pressão com o clima nos EUA. Em junho, a cotação média do milho caiu 3,50% sobre a média de maio em Chicago; no caso do trigo, a baixa foi de 5,31% e no do algodão, Nova York, de 10,58% em Nova York. Mesmo para o algodão, que resistia solitário no cenário de desaceleração, perspectivas foram revistas. A Anea, entidade que reúne os exportadores, baixou a previsão de embarques neste ano em 50 mil toneladas, para 360 mil. Para 2005, a estimativa caiu de 600 mil para 540 mil toneladas. A entidade reviu sua previsão para a produção de 1,28 milhão para 1,26 milhão de toneladas este ano e de 1,4 milhão para 1,34 milhão de toneladas em 2005.

“A queda das commodities está acontecendo depois de alta dos insumos, que tornam os custos mais elevados e pode desestimular o plantio. Acredito que o setor continuará crescendo, mas, na minha opinião, a febre acabou”, disse Nelson Batista Martin, diretor do Instituto de Economia Agrícola (IEA). Levantamento da Scot Consultoria mostra que os fertilizantes (super simples em pó) subiram 15,79% no país de janeiro a julho deste ano. Para os herbicidas, a alta chegou a 3,38%. A MSConsult trabalha com a perspectiva de aumento de apenas 1,5% nas vendas de adubos em 2004, para 23,139 milhões de toneladas, e estabilidade em 2005.

A retração das cotações externas tirou sustentação dos preços domésticos. Em julho, o índice de preços recebidos (IPR) pelos produtores agropecuários paulistas, pesquisado pelo IEA, deverá registrar variação negativa da ordem de 3%, conforme Martin, o que seria a maior queda desde abril de 2002.

Com a conjunção menos favorável, também a receita das lavouras brasileiras – “da porteira para dentro” -, que nas contas de Fabio Silveira saltou 38,6% em 2003, para US$ 35,9 bilhões, deverá aumentar 10% em 2004, para US$ 39,5 bilhões, e cair em 2005 para US$ 37,9 bilhões. Mesmo a soja deverá amargar queda em 2005 na comparação com 2004.

Mas, mais uma vez, ninguém fala em derrocada do campo, onde produtores, cooperativas e indústrias vem investindo em recursos humanos, infra-estrutura e tecnologia para tornar a atividade cada vez mais sustentável. E os especialistas advertem que a agricultura não é uma ciência exata. Uma estiagem nos EUA na próxima semana, por exemplo, pode injetar ânimo novo às cotações externas de grãos e, por tabela, ao agronegócio brasileiro. Que, nas palavras de Luiz Antônio Pinazza, da Associação Brasileira de Agribusiness (Abag), vive “vôo de águia, não de galinha”.