O governo chinês sinaliza que suas empresas serão mais atraídas a fazer investimentos no Brasil se o governo autorizar a entrada de empregados chineses para trabalhar no país, ilustrando a dificuldade brasileira para aumentar esse fluxo de capital. A China avisa também que, na área comercial, está disposta a negociar um acordo de livre comércio com o Mercosul, outro tema especialmente sensível diante da resistência das indústrias do bloco aos produtos baratos chineses.
A posição de Pequim foi expressa ontem pelo Ministério do Comércio ao Valor, com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva na capital chinesa para tentar multiplicar o comércio e investimentos na relação bilateral. O presidente chinês Hu Jintao recebeu Lula ontem à noite para um jantar privado, que a diplomacia brasileira disse ser um caso único. Ao mesmo tempo, as indicações eram de que vários acordos estavam sendo fechados.
Com reservas de US$ 2 trilhões, a China é cobiçada na cena global como fornecedor de recursos em meio à crise global. Um dos principais pontos da visita de Lula deve ser a assinatura de empréstimo para a Petrobras explorar as enormes reservas de petróleo. Ontem à noite havia discrepâncias sobre o montante, com fontes falando de US$ 7 bilhões e a empresa em “até” US$ 10 bilhões. De outro lado, a Petrobras deve garantir a venda de 200 mil barris diários de petróleo para a China, o que representa quase 10% da produção brasileira.
O empresário brasileiro Eike Batista confirmou que a empresa chinesa Wuhan vai investir US$ 4 bilhões em sua usina de mineração, o que representa o maior valor investido pelos chineses até agora no país. Outros acordos comerciais devem ser anunciados hoje cedo durante um seminário.
A companhia Huanwei, de tecnologia, pretende anunciar inversões no país. Outro acordo é uma parceria para investimentos de US$ 80 milhões entre a brasileira C. R. Motors e a chinesa Zongshen para produção de motocicletas na Zona Franca de Manaus. O empresário brasileiro Claudio Rosa Junior espera iniciar a produção em outubro e produzir 200 mil motos em cinco anos.
Em outro ponto central da visita de Lula, os chineses ontem aceitaram se comprometer apenas com um “cronograma” para decidir se libera a entrada de carne suína brasileira até o fim do ano.
A curta visita de Lula tem sido acompanhada de críticas de certos empresários, que veem uma perda de oportunidade para, de fato, promover o comércio e investimentos brasileiros. Num seminário ontem em Xangai, apenas 50 participantes eram chineses. Todas as perguntas foram feitas por brasileiros. Na parte agrícola, quando o debate acabou não havia mais um chinês na sala. Mas a maior inquietação entre assessores próximos de Lula era que o debate sobre a CPI da Petrobras “contamine” os resultados da visita à China.
Lula e Hu Jintao devem anunciar um plano plurianual 2010-2014 para estimular comércio, investimentos e cooperação em outras oito áreas. Mas as metas ainda vão ser negociadas até o fim do ano. Em todo caso, a posição da China sobre como reforçar a relação bilateral foi explicitada em respostas por escrito por parte da vice-diretora de Américas e Oceania do poderoso Ministério do Comércio, Xi Yingzhen.
Na área comercial, o governo chinês não esconde a irritação com barreiras que o Brasil está levantando contra seus produtos. Aponta o Brasil como sendo um dos países que mais iniciaram investigações de dumping contra os produtos da China.
Pequim diz que, como até hoje não foi cumprido o compromisso feito pelo Brasil em 2004, para dar o status de economia de mercado à China, o governo brasileiro “está usando preços similares produzidos em terceiro país em vez de valores normais dos produtos no mercado da China nas investigações antidumping”. E alerta que as empresas chinesas “prestam muita atenção a essas práticas injustas”.
Sobre a demanda brasileira de diversificação de suas exportações para a China, a resposta de Pequim é que a estrutura do comércio depende das características econômicas dos dois lados. E sugere ao Brasil promover seus produtos no mercado chinês.
A China explicita também que “está disposta a desenvolver com o Mercosul mais cooperação econômica e comercial de várias formas e a negociar um acordo de livre comércio”. Argumenta para a “complementariedade e potencialidade” dos dois lados, e que a integração econômica se torna tendência importante no desenvolvimento econômico global.
Pequim exemplifica que está “construindo” 14 zonas de livre comércio com 31 países, abrangendo 1/4 do valor total do comércio em 2008, ou seja, quase US$ 700 bilhões de exportações e importações chinesas ocorreram em bases preferenciais.
Existem várias barreiras para um acordo de livre comércio com o Mercosul. Começa pela saúde do bloco. Depois, o Paraguai não tem acordo com a China, e sim com Taiwan. Sobretudo, o setor industrial nem quer falar nisso. “O Brasil está praticando com a China a teoria da Cepal, em que os periféricos exportam matérias-primas e importam manufaturados”, reagiu o diretor da Associação Brasileira da Indústria Têxtil (Abit), Fernando Pimentel. “Isso é muito nefasto.”
Quanto a estimular investimentos, a resposta chinesa é de abertura, mas com um preço salgado. Nota que mais empresas “estão prestando atenção” no mercado brasileiro e que o governo estimula e apoia companhias “competentes” a investir e instalar fábricas no Brasil.
Mas a posição chinesa é de que o Brasil poderia atrair investimentos criando “melhor ambiente” para isso e divulgando mais as oportunidades na economia brasileira. Para o governo chinês, isso significa, por exemplo, aceitar que Pequim exporte mão de obra. Diz esperar que o governo brasileiro “possa facilitar os procedimentos administrativos das aprovações e emissões de visto de trabalho para os funcionários chineses, melhorando mais o ambiente de atração dos investimentos estrangeiros, aumentando a disposição das empresas em investir no Brasil”.
A política da China tem sido de estimular a exportação de mão de obra, e isso é ainda mais verdade na crise atual, com milhões de trabalhadores voltando à zona rural depois de terem perdido o emprego nas cidades. Na África, já há 700 mil chineses, que acompanharam os bilhões de dólares investidos em captação de matérias-primas no continente.
Em encontros bilaterais, as autoridades chinesas já cobraram sinal verde para exportar trabalhadores chineses para o Brasil, em projetos que teriam capital de Pequim. Brasília recusa com firmeza. A situação é ainda mais sensível quando está na presidência um ex-sindicalista. Em todo caso, o Ministério do Comércio descarta repetir no Brasil e América Latina, proximamente, as recentes missões do ministro Chen Deming na Europa e EUA em busca de ativos baratos.