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Grãos

China tumultua mercado global de soja

Armazéns lotados e margens negativas levam chineses a triangulações com produto do Brasil e a calotes.

China tumultua mercado global de soja

As gigantescas aquisições de soja pela China para entrega no primeiro trimestre do ano e as dificuldades enfrentadas pelo país asiático para receber todo o volume contratado têm provocado um grande tumulto no mercado mundial da oleaginosa.

Com portos abarrotados, armazéns lotados e margens negativas para os esmagadores que atuam em seu mercado, segundo informações de analistas, os chineses passaram a se envolver em um emaranhado de operações comerciais que inclui triangulações e até calotes. Nada disso foi suficiente, até agora, para derrubar os preços internacionais do grão, que continuam sustentados pelos baixos estoques nos EUA.

As primeiras triangulações por parte da China neste ano vieram à tona em meados de março, quando grandes importadoras de soja do país começaram a revender cargas do grão produzido no Brasil a empresas processadoras nos EUA.

À época, circulou a informação de que a Shandong Sunrise Grain and Oil Trading encaminhou aos americanos 180 mil toneladas de soja brasileira por não ter condições de recebê-la. Manobras semelhantes se multiplicaram nas últimas semanas e analistas estimam que pelo menos 500 mil toneladas – o equivalente a oito navios – foram do Brasil aos EUA pelas mãos dos chineses, volume avaliado em pouco mais de US$ 250 milhões a preços de março.

Alguns analistas acreditam, porém, que o volume possa ser ainda maior. “Circulam conversas de que entre dez e 15 cargas de soja brasileira foram repassadas aos EUA, embora ainda não haja confirmação oficial”, disse Stefan Tomkiw, analista do Jefferies Bache, em Nova York.

Um recuo na demanda chinesa por conta da gripe aviária – que levou ao sacrifício de aves – e a queda dos preços domésticos dos suínos ajudaram a motivar a transferência dos carregamentos de soja brasileira. Problemas logísticos no país asiático, dificuldades na obtenção de crédito e margens desfavoráveis às indústrias também estimularam os redirecionamentos.

No início de 2014, Pequim anunciou o fim de sua política de estocagem de soja e uma reavaliação dos subsídios concedidos aos produtores do grão no país. Mas as cotações domésticas continuam elevadas em função da política de preços mínimos do governo, mesmo com uma abundante oferta reforçada pelas grandes importações.

Atualmente, as indústrias chinesas estão perdendo entre 500 e 600 yuans (US$ 81 a US$ 97) para processar uma tonelada de soja, segundo informações da agência Reuters. No último trimestre de 2013, esse esmagamento gerava um lucro de 600 yuans. Diante de um conjunto tão grande de desestímulos, alternativas cada vez mais incomuns viraram solução para os chineses. “Há boatos de retirada aqui [no Brasil] e envio até à costa da África. Onde a conta fecha, estão levando”, afirmou Vinícius Xavier, consultor da FCStone.

A estratégia da China vingou, em grande medida, devido à oferta enxuta nos EUA. O forte ritmo de exportações americanas na safra que está chegando ao fim (2013/14) derrubou os estoques de soja no país para 27 milhões de toneladas em 1º de março, menor nível dos últimos dez anos, conforme o Departamento de Agricultura dos EUA (USDA).

O Brasil aproveitou essa escassez e chegou inclusive a realizar vendas diretas de soja aos EUA em março, o que não acontecia no mês desde 2010. É até comum que os americanos adquiram alguns volumes de soja brasileira, mas isso costuma acontecer no pico da entressafra naquele país, entre maio e junho. O volume vendido pelo Brasil aos EUA no mês passado foi tímido – 937,6 toneladas de um total de 6,23 milhões de toneladas embarcadas, nas contas da Secex/ Mdic -, mas corrobora o momento de exceção nos EUA.

Pedro Dejneka, da PHDerivativos Consultoria, em Chicago, calcula que os EUA importarão do Brasil ao menos 800 mil toneladas de soja este ano, entre compras diretas e triangulações com a China. “É um volume pequeno, mas muito acima dos últimos anos”. No ano passado, os americanos adquiriram o maior volume de soja do Brasil em pelo menos 20 anos (324 mil toneladas), depois da grave seca que abateu sua produção em 2012/13.

Dejneka diz que as processadoras americanas têm soja suficiente até junho e aguardam mais carregamentos da América do Sul e do Canadá para até meados de agosto, quando começará a entrar no mercado a nova safra americana (2014/15). A tranquilidade é maior diante da previsão de aumento de 6% na área plantada com soja nos EUA em 2014/15, divulgada pelo USDA há algumas semanas.

A perspectiva mais otimista para a safra americana “encurralou” os chineses e, na visão de analistas, pode ter sido um gatilho para calotes – que já chegam a 500 mil toneladas, provenientes do Brasil e dos EUA, segundo a Reuters. Nada foi confirmado até o momento, mas há quem aposte que esse volume poderá até dobrar nos próximos dias. Operadores dizem que esmagadoras chinesas estão planejando um calote conjunto para as próximas semanas.

O volume é pequeno diante das 69 milhões de toneladas que o USDA projeta para as importações chinesas em 2013/14 (65% das compras mundiais da oleaginosa), mas foi o suficiente para soar o alerta entre os traders. A situação é tão curiosa que há relatos de exportadores americanos tentando ajudar a China a revender a soja que o país asiático havia se comprometido a adquirir.

Conforme Dejneka, boa parte da soja “abandonada” pela China já foi embarcada pelos EUA e os traders estão agora tentando interpretar o que acontecerá com essa carga. “Ela pode ir para a China e de lá ser revendida, ou ser revendida e o navio mudar rota no meio do caminho, ou mesmo retornar aos EUA. Mas se ela retorna aos EUA, não é subtraída do total de exportações já feitas, mas sim contada como soja importada, por incrível que pareça”, explicou.

Ontem, os contratos de soja com vencimento em julho (que ocupam a segunda posição de entrega, normalmente a de maior liquidez) fecharam em baixa de 0,84% na bolsa de Chicago, a US$ 14,6550 por bushel. Porém, no ano, a commodity acumula alta de 13,38%, e em 12 meses, valorização de 7,17%.