As atividades primárias são tradicionalmente associadas a baixa produtividade, reduzida eficiência organizacional e pouca tecnologia, havendo ainda o receio de que o Brasil se torne dependente sobretudo das commodities, em detrimento da agregação de valor aos produtos e dinamização da economia como um todo. Tal associação foi motivo de reação veemente de uma nata de executivos do setor, presente ao seminário Produção de Commodities e Desenvolvimento Econômico, que o Instituto de Economia (IE) da Unicamp promoveu nesta segunda-feira (29) em São Paulo, numa parceria com a mineradora Vale, revista Carta Capital e jornal Brasil Econômico.
“O agronegócio brasileiro transformou-se nos últimos anos num setor muito mais sofisticado, complexo e enormemente integrado com os diversos segmentos da nossa economia; é um sucesso único nos trópicos. Essa construção não aconteceu por acaso, mas com a sistemática utilização da pesquisa e da inovação em cima de uma base bruta de recursos naturais”, afirmou José Roberto Mendonça de Barros, sócio-diretor da MB Associados – Consultoria em Análises Macroeconômicas e ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda.
“Podem dizer o que quiserem, mas são as commodities que geram o superávit na balança comercial. Não faz sentido ficar nesta discussão estéril de que a commodity não é boa porque precisamos gerar manufaturados, ou que ela está se tornando grande demais e precisa parar de crescer. A vocação do Brasil é mesmo esta: ser um dos maiores, se não o maior produtor agrícola e minerador do mundo e, se Deus quiser, também o maior produtor de óleo. Qual é o problema?”, reagiu Roger Agnelli, diretor-presidente da Vale.
“Este seminário é importante porque começávamos a escutar que estamos nos tornando um País de commodities, um debate equivocado. Estamos sob a áurea do desenvolvimento econômico e promovendo distribuição de renda, sendo que as cadeias agrícolas vêm tendo o papel crucial de diminuir o preço dos alimentos. Nosso setor sabe bem o que é a pressão por aumento de produtividade e avanço tecnológico para baratear o alimento e se tornar competitivo no mercado mundial”, ponderou Pedro de Camargo Neto, presidente da Associação Brasileira da Indústria Produtora e Exportadora de Carne Suína (Abipecs).
Mariano Laplane, diretor do Instituto de Economia: acordo com a Vale para pesquisas e formação de recursos humanos“Por que essa discussão? Porque parece existir uma janela na próxima década para o desenvolvimento da economia brasileira combinando sua vasta disponibilidade de recursos naturais com uma demanda mundial crescente por esses produtos. Temos países com muitos recursos naturais e pouco desenvolvimento (como os petroleiros), outros que se desenvolvem sem ter esses recursos (como Japão e Coreia) e, ainda, os que articulam a exploração dos recursos com a industrialização e serviços sofisticados (como os Estados Unidos). A pergunta é: qual é o nosso caso?”, observa Mariano Laplane, diretor do IE da Unicamp.
Na opinião de Laplane, o Brasil apresenta estágio de desenvolvimento intermediário, com recursos naturais e um agronegócio pujante, uma atividade de mineração bastante importante e, agora, com petróleo e gás, além de uma base industrial diversificada e uma estrutura de serviços relativamente eficiente. “O desafio é descobrir qual o potencial de desenvolvimento que podemos extrair dessa janela, como por exemplo, explorando os recursos naturais não apenas para exportar produtos primários, mas agregando conhecimento, e com modelos de negócios inovadores e empresas estruturadas em escala global. Seria um salto no desenvolvimento brasileiro”.
Mariano Laplane acrescentou que o seminário, obviamente, não pretendeu esgotar tema tão complexo, mas representou um pontapé inicial para qualificar o debate em torno da economia de commodities, levando a posições menos ideologizadas. “Nesse sentido, a Unicamp e a Vale negociam no momento a assinatura de um amplo acordo de cooperação, abrangendo as várias dimensões do setor, tais como de geração de conhecimento e formação de recursos humanos. Esse debate vai consumir muito do nosso tempo nos próximos anos”.
O economista Luiz Gonzaga de Mello Belluzzo: “Estamos vivendo um processo de tecnificação (não só de maquinização) do campo”Tecnificação do campo
O economista Luiz Gonzaga de Mello Belluzzo, professor aposentado da Unicamp, chamou a atenção para a industrialização do campo que o mundo vivencia nos últimos 50 anos, sendo que o Brasil é parte deste processo. “Houve uma aproximação crescente entre a produção ligada a recursos naturais e a produção dita industrial. É um processo de tecnificação – e não só de maquinização – que vem tornando as cadeias produtivas cada vez mais longas e integradas. O avanço alcançado pela agricultura brasileira não seria possível sem a capacidade de criar formas de inovar”.
Belluzzo disse ainda que o Brasil não pode prescindir de nenhuma das duas formas de produção – da indústria que já instalou e da vantagem competitiva e dinâmica representada pela abundância de recursos naturais. “A nossa indústria está servindo ao setor exportador de commodities, que não é mais de agricultura tradicional, embora muitos ainda pensem nele como um enclave. Na verdade, é um setor gerador de oportunidades e investimentos”.
Nos agronegócios, Mendonça de Barros aponta o progresso proporcionado pelo plantio direto, rotação de culturas, integração de sistemas de lavoura com a pecuária e, mais recente, o manejo florestal. “Esse conjunto permitiu economias de escala e o desenvolvimento de cadeias produtivas envolvendo commodities como de carne, cana e soja; a rigor, só não produzimos em larga escala o trigo. Por cima disso, temos um sistema sofisticado, com utilização de mercados futuros, capacidade de gestão e empreendedorismo. Mas o resultado mais relevante talvez seja que, de 1975 a 2005, o custo da alimentação caiu em média 5,2% ao ano”.
Quanto à mineração, Roger Agnelli lembra que se trata de atividade antiga, mas que hoje se tornou extremamente difícil, feita em lugar remotos e sem a menor infraestrutura. “A taxa de sucesso de encontrar minérios é de menos de dois por cento. Por isso, a tecnologia que utilizamos é a da Nasa, envolvendo profissionais altamente especializados – a Vale possui mais de 1.200 MBA e 300 doutores trabalhando no seu dia a dia. Alavancamos uma cadeia infindável em torno de máquinas, tratores, aço, aço, helicópteros e fizemos renascer a indústria ferroviária: um trem que mede quatro ou seis mil metros exige locomotivas cujo engate é com mira de laser”.
A janela para o futuro
Em relação à janela de perspectivas, Paulo de Sá, chefe da Divisão de Mineração, Óleo e Gás do Banco Mundial, demonstrou uma preocupação com as commodities. “Achamos que a produção mineral e de petróleo terá um período de preços bastante remuneradores, sendo que a demanda crescente da Ásia e de alguns membros dos Brics compensará as reduções nos Estados Unidos e Europa. A preocupação é com a questão alimentar. O banco acaba de liberar uma linha de crédito especial para reduzir o risco de crise alimentar provocada por altas antecipadas nos preços de algumas commodities”.
Luiz Carlos Costamilan, vice-presidente da Energia do Rio e que trabalhou por 23 anos na Petrobras, afirma que, de fato, o risco econômico da exploração do pré-sal está afastado. “Há indefinição quanto às reservas, se são de dez, trinta ou cinquenta bilhões de barris. A resposta vira dentro de 18 a 24 meses, depois dos testes que estão sendo feitos nos reservatórios. Seja qual for o volume possível de extrair, é importante ter consciência de que a possibilidade de a Petrobras se tornar a maior companhia de petróleo do mundo, em cinco ou dez anos, não é implausível”.