Os efeitos da desaceleração da economia brasileira, que já estavam no radar das companhias estrangeiras que atuam no país, tornaram-se mais claros depois da temporada de balanços internacionais. A retração do consumo e a desvalorização cambial foram os fatores que mais influenciaram negativamente os resultados – e poucas empresas vislumbram alguma melhora no curto prazo.
Uma das mais afetadas pela perda do poder de compra do consumidor nacional foi o setor automotivo, que viu seus números recuarem até dois dígitos. A alemã Volkswagen, que liderou a produção mundial em volume nos primeiros seis meses de 2015, registrou queda de 26% em unidades vendidas no Brasil durante o primeiro semestre, para 193 mil automóveis.
“O Brasil registrou os menores volumes de demanda de automóveis de passageiros desde 2007. Além do aumento do Imposto sobre Produtos Industrializados [IPI] no início de 2015, isso ocorreu principalmente devido ao declínio econômico em geral e às taxas de juros mais elevadas”, explica a companhia, no seu relatório financeiro trimestral.
A Daimler, controladora da Mercedes-Benz, sentiu o impacto da redução de gastos e investimentos na retração das entregas de caminhões e ônibus. A fabricante alemã informou que as vendas de caminhões segundo trimestre recuaram 52% e as de ônibus caíram 46% no Brasil em relação ao ano passado. “A situação, que já era tensa, piorou”, disse a companhia em seu último balanço.
Outro setor prejudicado diretamente pela retração no consumo foi o de eletrodomésticos. A americana Whirlpool apontou a queda da demanda brasileira como um dos principais vetores para o recuo de 22% da receita no segundo trimestre, para US$ 854 milhões, na comparação anual. No Brasil, a demanda recuou 12% no período.
Jeff Fettig, presidente da companhia, informou em conversa com analistas, que há três meses a Whirlpool esperava alguma melhora no mercado brasileiro. “No entanto, acabei encontrando uma queda de dois dígitos”, afirmou. “Nós não vemos nada mudando esse cenário no curto prazo.”
No consumo, a indústria de bebidas também viu os negócios encolherem. Principal engarrafadora da Coca-Cola na América Latina, a mexicana Femsa, registrou um volume de vendas 3,4% menor no Brasil, para 155,2 milhões de caixas.
Celina Antunes, diretora-executiva da Cushman & Wakefield na América do Sul, lembrou que o setor imobiliário foi um dos primeiros a sentir a retração econômica. “O problema começou pelo corporativo. Primeiro o setor parou de crescer, agora estão começando a vender, mas por enquanto não vemos empresas fechando”, afirmou a executiva, em evento realizado pela Consulting House.
Além da desaceleração da demanda, questões hidrológicas afetaram o balanço da americana AES, que controla a Eletropaulo e a AES Tietê. Para os seis primeiros meses de 2015, o lucro ajustado por ação recuou de US$ 0,53 para US$ 0,50, “em grande parte influenciado pela menor demanda e pelo sistema de contratação [de energia] no Brasil, um dólar mais forte dos Estados Unidos, bem como o impacto líquido de US$ 0,02 a partir da reversão de passivos no Brasil e na Europa”, conforme relatório da administração.
A desvalorização do real também foi citada por diversas companhias estrangeiras, que colocaram a moeda brasileira e o rublo russo como fatores para contração de lucro e receita. A siderúrgica ArcelorMittal reportou crescimento de 23,2% na produção de aço da operação brasileira no segundo trimestre, ante igual intervalo do ano passado. A receita originada no Brasil, contudo, recuou 10,8% na mesma base de comparação, para US$ 2,1 bilhões.
“As perspectivas para o Brasil continuam enfraquecendo, com o PMI [índices dos gerentes de compras] indicando claramente contração e com a economia voltando a entrar recessão agravada pelos cortes governamentais, como consequência da investigação da Petrobras, da frágil confiança, dos preços baixos de commodities e da inflação alta”, analisa o relatório trimestral da ArcelorMittal.
A petrolífera Shell registrou impacto negativo de US$ 313 milhões no resultado líquido do primeiro semestre em decorrência, primordialmente, da desvalorização do real frente ao dólar.
No caso da portuguesa Galp, parceira da Petrobras em exploração de petróleo, o horizonte de curtíssimo prazo não chega a ser negativo, mas há preocupações em vista. A companhia divulgou aumento de 98% na produção média no segundo trimestre, para 33,5 mil barris de petróleo por dia. O avanço foi impulsionado pela entrada em operação de mais uma plataforma de petróleo no campo de Iracema Sul. A redução dos investimentos da Petrobras, no entanto, deve afetar as projeções da companhia portuguesa para os próximos anos, com a inauguração de novas plataformas adiada.
No caso das companhias que necessitam cortar custos, a escolha do Brasil como um dos alvos para desinvestimentos se intensifica com o momento adverso da economia. A metalúrgica Alcoa, por exemplo, anunciou em junho o fechamento das operações na fundição de Poços de Caldas (MG) e desligou a fundição da maranhense Alumar, em São Luís.
Em meio a tantas ressalvas e perspectivas pouco animadoras, algumas companhias estrangeiras conseguiram encontrar espaço para avançar.
O grupo francês Carrefour contabilizou aumento de 11,4% nas vendas orgânicas no Brasil, em moeda constante, no segundo trimestre. Aplicando a variação cambial, no entanto, as vendas de abril a junho recuaram 0,4%.
“Não vejo em que a crise atual no Brasil seria um indício muito mais desfavorável do que pudemos constatar na Europa”, afirmou Georges Plassat, presidente do Carrefour, durante a apresentação dos resultados semestrais.
A espanhola Iberdrola, que controla a distribuidora Elektro e tem participação de 39% na Neoenergia, registrou aumento de 1,4% na demanda total por energia elétrica no primeiro semestre, e ainda anunciou investimentos de R$ 12,5 bilhões no mercado brasileiro nos próximos três anos.
Casos como esses, porém, destoaram na análise global dos resultados das companhias estrangeiras. E, na avaliação de analistas, não há razões para expectativas muito positivas para os números até o fim deste ano.