A deterioração das contas externas vai continuar por mais alguns anos. Projeções do balanço de pagamentos, elaboradas pelo Ministério da Fazenda, indicam que o superávit da balança comercial em 2011 será de apenas US$ 9 bilhões, com exportações crescendo 9% e importações, 13,3%. O déficit em transações correntes deve saltar de cerca de US$ 46 bilhões este ano para US$ 56 bilhões no próximo – como resultado da diferença entre o saldo comercial, o déficit de US$ 69 bilhões esperado para a balança de serviços e o ingresso de US$ 4 bilhões a título de transferências unilaterais (de brasileiros no exterior).
Nas projeções do mercado, apuradas pelo boletim Focus do Banco Central, os números são um pouco piores. O déficit nas contas correntes chegaria a US$ 49 bilhões neste e a US$ 58 bilhões no próximo ano, e o superávit comercial cairia de US$ 15 bilhões para US$ 8,68 bilhões entre este o o próximo exercício.
Para a Fazenda, porém, a degeneração das contas externas é uma questão passageira, algo para os próximos dois ou três anos, e não deve comprometer o crescimento econômico.
É isso que assegura Marcelo Fischer, economista do gabinete do ministro Guido Mantega e coordenador do boletim “Economia Brasileira em Perspectiva”. Esse trabalho vem sendo feito desde o ano passado com periodicidade bimensal e pretende ser, para a Fazenda, o que é o Relatório de Inflação para o Banco Central: uma exposição de como o ministério está vendo a economia em todos os seus aspectos.
Nos oito anos de mandato, o governo Lula fez, nas contas externas, um movimento pendular. Ele recebeu o déficit em conta corrente em 1,5% do PIB do seu antecessor, chegou a transformá-lo em um superávit de 1,6% do PIB em 2005, voltou a produzir déficits a partir de então e entrega o país ao seu sucessor com contas negativas equivalentes a 2,3% do PIB. E, tudo o mais constante, o próximo governo deve encerrar seu primeiro ano de mandato com um “buraco” de 2,6% do PIB nas transações correntes.
É verdade que as condições de hoje são bem melhores que as do passado. Até 2001, quando o país registrou um saldo negativo recorde nas transações correntes, de 4,2% do PIB, a economia crescia pouco (média de 2,3% entre 1995 e 2002). Nos últimos sete anos, a taxa média de crescimento subiu para 3,6%. A vulnerabilidade externa era elevada e as reservas cambiais, baixas. A dívida externa líquida correspondia a 32,7% do PIB em 2002. Hoje o pais é credor líquido. O ingresso de capitais decorria sobretudo das privatizações. Agora, há um vasto horizonte de investimentos atrativos ao capital externo, do pré-sal à Copa do Mundo.
Também é verdade que há preocupação com o perfil das exportações, onde as commodities respondem hoje por 62% das receitas, e com a valorização da taxa de câmbio que impulsiona as importações.
Traumatizado pelas crises cambiais do passado (de 1999, 2002, na década de 80), há sempre no país quem trema ao primeiro sinal de déficit nas contas com o resto do mundo. Volta o fantasma da dependência e da vulnerabilidade externa. O fato, porém, é que com o regime de câmbio flutuante e com mais de US$ 257 bilhões em reservas, o país não quebra como ocorreu tantas vezes no passado. Ao menor sinal de risco de financiamento externo à frente, a moeda local vai se desvalorizar, encarecendo as importações, estimulando as exportações e ajustando as contas do balanço de pagamentos.
Se mantém viva a polêmica em torno da última ata do Copom. Pelo menos duas mudanças relevantes fermentam as dúvidas sobre os motivos do comitê para amenizar a política monetária em julho e deixar a impressão que terminou o ciclo de aperto: foco excessivo na inflação corrente em detrimento das expectativas futuras; e decisão de buscar a convergência do IPCA para o centro da meta de 4,5% só em 2012, como que jogando a toalha sobre 2011.
Desde a construção do regime de metas para a inflação, em meados de 1999, que um parágrafo da ata sempre ressalta que as decisões de política monetária devem concentrar-se na análise do cenário prospectivo para a inflação e não privilegiar seus valores correntes.
A ata de julho não diz que a baixa da inflação corrente é o início de uma tendência mais duradoura de enfraquecimento dos preços no país, decorrente da fragilidade da economia mundial e da consequente desaceleração da economia doméstica. Nem explica que é ruim o legado do IGP-DI deste ano para os preços administrados em 2011. A Selic tem alcance sobre os preços livres, mas estes já estão convergindo para a meta no ano que vem, enquanto que os administrados não estão.
Há indicadores, portanto, que legitimariam a postura do Copom e que vão além das suspeitas de que houve uma parada por razões político-eleitorais. Pode-se questionar se não seria mais apropriado manter o conservadorismo histórico dos bancos centrais e, se errar, errar pelo excesso de zelo. Mas essa é uma outra discussão.