Redação (13/10/2008)- O relatório da Organização para Agricultura e Alimentação (FAO) sobre a questão do etanol não é só o mais completo estudo já feito por uma agência da ONU a respeito da polêmica acerca dos biocombustíveis, mas constitui também um libelo contra os vastos subsídios concedidos pelos países ricos, a começar dos Estados Unidos, para o cultivo de grãos com fins energéticos. O documento sustenta que essas políticas precisam ser "revistas com urgência para preservar a meta da segurança alimentar global, proteger agricultores pobres, promover o desenvolvimento rural e assegurar a sustentabilidade ambiental". Para a FAO, os mais do que generosos incentivos para o etanol de milho e outros alimentos contribuíram decisivamente para reduzir a oferta mundial de alimentos, com a conseqüente disparada dos seus preços e o aumento da fome na África e na Ásia.
No ano passado, a produção mundial de etanol chegou a 52 bilhões de litros, três vezes mais do que em 2000. Os EUA responderam por 27 bilhões; o Brasil, por 19 bilhões; a União Européia e a China, por 2 bilhões cada. Já a produção de biodiesel (cerca de 10 bilhões de litros) aumentou 11 vezes. Norte-americanos, europeus, indonésios e malaios são os principais produtores. Os EUA e a Europa gastam US$ 12 bilhões anuais em estímulos aos biocombustíveis. Esses programas não são viáveis sem subsídios, afirma o estudo. Esse favorecimento foi alvo de duras críticas do presidente Lula, ao participar, em junho, da Cúpula sobre Segurança Alimentar, em Roma. "É evidente", denunciou, "que o etanol de milho só consegue competir com o etanol de cana quando é anabolizado por subsídios e protegido por barreiras tarifárias."
Na ocasião, Lula culpou a indústria do petróleo por "criar uma relação de causa e efeito entre os biocombustíveis e o aumento do preço dos alimentos". Na passagem mais contundente de sua fala, disse que "muitos dos dedos apontados contra a energia limpa dos biocombustíveis estão sujos de óleo e carvão". Isso decerto não se aplica às conclusões da FAO. A entidade não se opõe à energia de origem agrícola, mas aos subsídios e políticas protecionistas que acabam tendo um impacto perverso sobre o mercado mundial de alimentos e a economia rural dos países pobres. "O etanol é uma oportunidade e um risco", afirmou Jacques Diouf, diretor-executivo da FAO, ao apresentar o relatório. "Seu futuro dependerá de como os governos irão implementar as respectivas políticas." O trabalho não deixa claro se a entidade considera o Brasil um caso inteiramente à parte, por seu programa de etanol de cana-de-açúcar, que não contribui para a escassez de alimentos, como o governo reitera nos foros internacionais.
A FAO, de todo modo, ressalva que a cana gera emissões significativamente menores de gases estufa do que outras culturas voltadas para a geração de combustíveis e nota que o Brasil tem o menor custo de produção de etanol do mundo. O órgão também reconhece que o Brasil é o único país que consegue produzir etanol a preços inferiores aos do petróleo. O que significa que, sem os subsídios e os impostos de importação adotados pelos países ricos (as tarifas alcançam 52% na União Européia e 28% nos EUA), a sua produção de etanol ficaria 8 bilhões de litros por ano menor, por falta de competitividade. Já a produção brasileira cresceria 3 bilhões de litros. "A viabilidade da maioria dos combustíveis é tênue sem apoio e subsídios", aponta a FAO, ecoando a posição do Brasil na Cúpula sobre Segurança Alimentar. E isso, ainda que se mantenham altas as cotações do petróleo.
O problema é que, mesmo que mudem as regras do jogo na economia da biomassa – uma hipótese ainda remota -, o petróleo continuará a ser por muito tempo a principal fonte de energia do mundo. Prevê-se que em 2030 os combustíveis fósseis deterão ainda 82% do mercado global, ante 10% da energia de biomassa. Mas uma segunda geração de biocombustíveis, acompanhada de avanços na tecnologia do processo produtivo, poderá influir na redução das emissões de carbono, com pressões menores sobre os recursos naturais.