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Mercado Interno

Crescimento do Nordeste precisa ir além do consumo

<p>Modelo de crescimento econômico do NE, através de transferência de renda, não é o ideal, dizem economistas e cientistas sociais.</p>

A retomada do crescimento econômico brasileiro, que já aponta elevação de 5% do PIB em 2010, tem sido sustentada pelo mercado interno. Para isso, programas de transferência de renda e elevação do emprego nos segmentos ligados ao setor de serviços foram decisivos para contrabalançar a retração da indústria, que sofreu com o corte do crédito e o fechamento do mercado externo. O modelo de crescimento do Brasil pós-crise pode ser simbolizado pelo Nordeste, o maior beneficiado pelas transferências sociais de renda e o principal impulsionador do comércio varejista.

Nos primeiros sete meses do ano, as vendas do varejo na região aumentaram 5,6% sobre o mesmo período do ano passado, e um ponto percentual acima do crescimento verificado pelo setor no país. O setor industrial, mais concentrado na produção de alimentos e bebidas, sofreu menos no Nordeste que no resto do país. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), alimentos e bebidas representam cerca de 25% da produção industrial na região. Assim, o crescimento do consumo contribui para que a queda no setor seja menor. Dados de setembro do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), divulgados pelo Ministério do Trabalho, dão conta que quase 40% dos empregos formais gerados no último mês do terceiro trimestre ocorreram no Nordeste – ao todo, 100,4 mil postos. No entanto, este modelo de crescimento não é o ideal, avaliam economistas e cientistas sociais que participaram do seminário Desenvolvimento Regional do Nordeste, realizado em Recife pelo Centro Celso Furtado, na semana passada.

“Estamos crescendo, e isso é ótimo. Mas ninguém discute como esse crescimento está acontecendo”, afirma Jair Amaral Filho, economista da Universidade Federal do Ceará (UFCE). Os setores que mais empregam na região, segundo Amaral, são comércio varejista e administração pública, além da indústria produtora de alimentos e bebidas. Segundo dados do Caged, metade dos postos criados no setor industrial em setembro no país atendeu o setor de produtos alimentícios e bebidas (62,7 mil), tendo os Estados nordestinos à frente.

Boa parte da renda que tem sustentado o crescimento constante do setor de serviços na economia é oriunda de transferências promovidas pela União. Os Estados e municípios do Nordeste receberam no ano passado quase US$ 40 bilhões por meio de transferências orçamentárias como Cide, Fundeb, Fundo de Participação dos Estados (FPE) e Fundo de Participação dos Municípios (FPM). Neste ano, com a desaceleração econômica, que achatou as receitas, e políticas de isenções fiscais, como a redução do IPI para montadoras e para eletrodomésticos da linha branca, as transferências orçamentárias serão menores. Mas este efeito, dizem os analistas, será compensado pela elevação do salário mínimo – que também corrige dois terços dos benefícios previdenciários – e programas sociais como Bolsa Família e Benefício de Prestação Continuada (BCP).

Segundo Amaral, fatores antes criticados na região, hoje são apontados como contribuidores do crescimento mais acelerado. “O Nordeste estava se beneficiando pouco das altas nas commodities antes da crise, além da menor importância da indústria exportadora em comparação a outras regiões”, afirma. Além disso, o corte nas alíquotas do IPI beneficiou o comércio atacadista e varejista.

O maior receio entre os acadêmicos da região é que se consolide entre as empresas e o governo federal o modelo de crescimento atual, que vê os Estados do Sul e Sudeste com uma política de desenvolvimento industrial e o Nordeste com uma política de consumo de massas. Para Amaral, a política promovida pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) de fortalecer empresas nacionais por meio de empréstimos para fusões e aquisições – política de “campeãs nacionais” segundo o banco – poderia incluir empresas da região, e não apenas as sediadas em Estados do Sudeste.

Segundo o chefe do departamento regional do BNDES para o Nordeste, Paulo Ferraz Guimarães, não se trata de uma questão de “exclusão regional”, mas de distribuição estrutural da indústria, historicamente concentrada no Sudeste. “Estamos interessados no desenvolvimento, não há regionalização do financiamento”, afirma.

De janeiro a agosto deste ano, o BNDES liberou R$ 15,3 bilhões para companhias nordestinas. Segundo Guimarães, esse valor deve alcançar R$ 18 bilhões até o fim do ano. Há maior número de operações também – 20.300 mil, o equivalente a 91% mais que no mesmo período de 2008. “Talvez a participação do BNDES na região nunca tenha sido tão boa”, diz. Estaleiros portuários em Suape (PE) e Pecém (CE) e projetos federais como a rodovia Transnordestina – que deve integrar sete Estados do Nordeste – apontam a direção do que o banco pretende fazer na região.

“O setor de serviços, o maior empregador, é o que necessita de trabalhadores menos instruídos e o que paga os salários mais baixos”, afirma Lena Lavinas, economista da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Mesmo diante dos avanços na diminuição da pobreza e da miséria nos últimos anos, o Nordeste continua com os piores indicadores sociais. Segundo Lavinas, o Nordeste apresenta os índices mais elevados de indigentes – 16 milhões de pessoas – e de pobres que vivem apenas com renda do trabalho – 48,8%. “Não é possível sustentar uma família de quatro pessoas com um salário mínimo, por mais que ele tenha se recuperado nos últimos anos”, afirma a economista.

Para Lavinas, as transferências de renda devem ser ampliadas a fim de garantir eficiência total, uma vez que mesmo sendo o maior receptor dos programas sociais, 42,7% dos moradores pobres do Nordeste ainda não recebem o Bolsa Família. Segundo Tania Bacelar, economista da UFPE, mais de um terço dos que vivem em regiões rurais da região são analfabetos. “O problema é sério também nas capitais. Metade dos moradores do Recife estão vivendo em favelas”, afirma. Para a economista, após a dissipação das turbulências financeiras mundiais, a retomada econômica brasileira permite uma “rediscussão” quanto ao modelo de crescimento. “A questão a partir deste último trimestre não é mais sobre o crescimento, já recuperado, mas a maneira como ocorrerá o desenvolvimento, que deve diminuir as desigualdades regionais”.