Redação (15/07/2008)- As safras geneticamente modificadas (GM) são cultivadas de forma tão extensa no mundo, hoje, para uso como ração animal e como ingredientes de alimentos industrializados, que os importadores de ração da Europa e da Ásia estão encontrando dificuldades para atender clientes que procuram por soja ou milho não-GM.
"É preciso pagar um ágio de 10% a 16% pelo milho não-GM. Isso se você o encontrar", disse Ross Korves, um renomado economista agrícola dos EUA.
À medida que disparam os preços dos alimentos e a escassez de alguns deles se agrava, safras geneticamente modificadas parecem cada vez mais tentadoras como forma de elevar a produtividade da agricultura sem usar mais energia ou produtos químicos. Mesmo na Europa, onde as safras GM enfrentam a mais forte resistência, há mais políticos, especialistas e líderes agrícolas saindo em sua defesa. Sir David King, ex-cientista chefe do governo britânico, é uma das pessoas que dizem que as safras GM são a única tecnologia disponível para resolver a crise nos preços mundiais dos alimentos.
A declaração do G8 -grupo que reúne os países mais industrializados- a respeito da segurança alimentar na cúpula recentemente realizada no Japão reconhecia o potencial das safras GM, com o compromisso de "promover análise de risco, com base científica, inclusive quanto à contribuição de variedades de sementes desenvolvidas por meio de biotecnologia".
Mas muitos grupos ambientalistas e de defesa do consumidor continuam opostos ao que muita gente define como "comida Frankenstein", alegando que as safras representam risco para a saúde e para o ambiente. Os críticos dizem que os alimentos GM não foram testados devidamente em animais, antes de serem colocados em uso, em 1996. Alguns dos poucos testes conduzidos apresentaram resultados preocupantes, como toxicidade hepática e renal. Os defensores dos alimentos GM rebatem alegando que quaisquer efeitos de saúde se teriam tornado claros após uma década de uso por milhões de pessoas.
Quanto ao ambiente, os oponentes dizem que as safras GM reduzem a biodiversidade e ameaçam as plantas e os animais silvestres. Os defensores dizem que os benefícios ambientais propiciados, como a redução no uso de pesticidas, compensam efeitos adversos.
Na América e em certas regiões da Ásia, a área plantada com safras GM vem crescendo rapidamente nos últimos anos. Segundo o ISAAA (sigla em inglês para Serviço Internacional de Aquisição de Aplicações Agrícolas de Biotecnologia), organização sediada nos EUA que monitora o uso mundial de safras GM, a área cultivada mundial cresceu 12%, para 114 milhões de hectares, em 2007.
Clive James, presidente da ISAAA, prevê que o cultivo de safras GM mais que duplicará nos próximos oito anos e cobrirá 20% das terras aráveis mundiais. Ele detecta uma grande reversão de tendência. "A tendência vem sendo propelida por duas preocupações", diz. "Uma é a disparada nos preços das commodities agrícolas e a segunda é o avanço no conhecimento do que a biotecnologia vegetal pode fazer para mitigar o aquecimento global."
Virtualmente todo cultivo realizado até agora envolve apenas quatro safras: soja, milho, algodão e canola, e dois traços: resistência a herbicidas e a pestes. Os oponentes das safras GM apontam que essa primeira geração de biotecnologia não propicia aumento de safras de forma direta. Cultivadas em perfeitas condições, essas variedades não se saem melhor do que as versões comuns das plantas, sem genes adicionais. Em lugar disso, o ponto é ajudar os agricultores a enfrentar insetos e plantas invasoras.
Herbicidas e insetos
A tolerância a herbicidas continua a dominar o mercado de safras GM. A maior marca é a Roundup Ready, da Monsanto. As sementes permitem que agricultores eliminem as invasoras borrifando a plantação com Roundup, um herbicida agrícola barato.
O segundo traço em uso generalizado é a resistência a insetos. Um gene de um micróbio chamado Bacillus thuringiensis (Bt) é transferido para a planta, que produz uma toxina capaz de matar pestes vorazes. Estudo divulgado pela PG Economics, uma consultoria agrícola britânica, concluiu que "a comercialização de safras biotecnológicas resultou em significativos benefícios econômicos e ambientais em todo o mundo e vem realizando contribuições importantes para a segurança alimentar mundial".
Graham Brookes, co-autor do estudo, afirma que, "desde 1996, a adoção de safras biotecnológicas contribuiu para reduzir a liberação de emissões do efeito estufa na agricultura e o uso de pesticidas e propiciou renda substancialmente mais alta aos agricultores". Os benefícios econômicos líquidos às fazendas equivalem a US$ 33,8 bilhões em 11 anos, divididos mais ou menos igualmente entre elevação no volume das safras e redução no custo dos insumos de produção.
A despeito da oposição política e ambiental, a Europa não é um continente inteiramente livre de safras GM. O milho Bt, única safra GM dotada de licença comercial na União Européia, é cultivado na Espanha (cerca de 75 mil hectares) e em escala menor na Alemanha, na Eslováquia, na França, em Portugal, na República Tcheca e na Romênia. A área plantada com safras GM na Europa equivale a apenas 0,1% do total mundial.
Muitos agricultores europeus estão zangados por não poderem aproveitar os benefícios de safras GM, ao contrário de seus colegas norte-americanos, diz Mick Willoughby, agricultor em Yorkshire e vice-presidente para a Europa da britânica Country Land and Business Association. "Até onde sei, a vasta maioria dos agricultores europeus é a favor das safras GM", ele diz. "É mais dispendioso alimentar rebanhos [na Europa do que nos EUA], porque os regulamentos da União Européia significam ausência de safras GM."
Nova geração mira resistir a seca e a frio
Embora as safras GM atuais tenham sido desenvolvidas para resistir ao que os cientistas designam como pestes "de desgaste biótico", a segunda geração, hoje em desenvolvimento, vai se concentrar no "desgaste abiótico". Isso abarca fatores não biológicos, tais como seca e inundações, calor e frio, salinidade e acidez. O maior esforço seria criar plantas capazes de usar água de maneira mais eficiente.
"O desgaste abiótico reduz o rendimento de algumas grandes safras em entre 65% e 80%", diz Michael Metzlaff, diretor de produtividade de safras da Bayer, na Alemanha. As experiências de sua empresa demonstram que a tecnologia de "silenciamento de genes" pode reduzir a produção de uma importante enzima chamada Parp, que controla a resposta das plantas.
Como resultado, as plantas crescem melhor sob condições adversas. Empresas planejam lançar variedades de milho resistentes a enchentes entre 2012 e 2015.
Água
Chris Zinselmeyer, diretor de pesquisa na Syngenta, da Suíça, diz que o objetivo é produzir uma variedade com rendimento superior ao do milho comum, nos anos de seca, mas "sem prejudicar o rendimento nos anos em que a água for abundante".
Além da resistência à seca, o setor está trabalhando em outros traços. Um produto, o Corn Amylase da Syngenta, demonstra como safras GM poderiam ajudar o setor de biocombustíveis. Trata-se de milho geneticamente modificado para produzir nível elevado de uma enzima chamada alfa-amilase, ingrediente crucial para a produção do bioetanol.
John Atkin, diretor de proteção a safras da Syngenta, afirma que o Corn Amylase aumentará a eficiência na produção entre 5% e 10%.
Enquanto isso, a Monsanto trabalha para adicionar gentes que permitiriam que safras usem nitrogênio de maneira mais eficiente. Fertilizantes de nitrogênio representam um dos insumos mais dispendiosos na agricultura:
apenas nos EUA, os agricultores gastam mais de US$ 3 bilhões ao ano aplicando fertilizantes em campos de milho. Pelo menos metade do nitrogênio é desperdiçado porque a safra não o absorve. Tradução de Paulo Migliacci (Financial Times)