Preocupada com a crescente competição da Ásia e dos países desenvolvidos em um mercado no qual o Brasil vem ganhando importância, a presidente Dilma Rousseff decidiu que a África terá uma estratégia especial do governo para exportação de mercadorias e serviços. Técnicos já estudam criar novos mecanismos de garantia de financiamentos, um dos maiores obstáculos ao aumento de negócios com o continente, e, a pedido de Dilma, será criado um “grupo África”, para associar vendas e investimentos a programas de desenvolvimento local.
“Se ficarmos com uma atitude passiva em relação à África, vamos perder terreno lá, e temos é de ganhar terreno”, disse o ministro do Desenvolvimento, Fernando Pimentel. Ele decidiu comandar a missão da Agência de Promoção de Exportações (Apex) que, na próxima semana, levará empresários brasileiros a Angola, Moçambique e África do Sul, para discutir investimentos e perspectivas de comércio com os governos e setor privado desses países.
Nos próximos dias, ele fará a primeira reunião do “grupo África”, com pelo menos cinco ministérios, especialistas e executivos, para discutir as diretrizes da presidente. Há duas semanas, quando se reuniu com dirigentes da Vale e das principais construtoras do país, em Moçambique, Dilma disse que o governo continuará apoiando a atuação privada na África, mas quer um projeto geral para o país, no qual esses negócios se enquadrariam e trariam, explicitados, os benefícios sociais que levarão ao país. Como será esse projeto é um dos temas do “grupo África”.
O comércio com a África cresceu de forma continuada de 2003 até 2008. Depois de queda de 15% em 2009, devido à crise mundial, as exportações brasileiras têm se recuperado rapidamente. No ano passado, quando atingiram US$ 9,3 bilhões, já eram quase três vezes o valor registrado em 2002.
Os financiamentos do BNDES, que também impulsionam as vendas de serviços (especialmente os de engenharia) ao exterior, não seguiram o mesmo ritmo: após chegar ao recorde de US$ 766 milhões em 2009 – 36% dos desembolsos do banco para esses financiamentos – o valor caiu para menos de 8% do total (US$ 200 milhões). Neste ano, até outubro, houve ligeira recuperação, para quase 10% dos desembolsos totais. O gerente de comércio exterior do departamento do BNDES voltado à exportação de serviços de engenharia, Fabrício Catermol, atribui essas variações aos ciclos de demanda por recursos. “Nesse tipo de produto, o efeito da crise é menor.”
No encontro com os empresários, Dilma cobrou das empresas a inclusão, em todos os projetos, de iniciativas para deixar “um legado” aos africanos, sob a forma de transferência de tecnologia, treinamento de mão de obra ou programas sociais. A presidente acredita que essas medidas, já incorporadas em alguns dos projetos de empresas brasileiras na região e em programas de cooperação, como o realizado pela Embrapa e Senac, diferenciam o Brasil de outros países, especialmente da China, igualmente ativos no continente.
O Brasil tem estratégias diferentes de acordo com a região da África, explica o coordenador de inteligência comercial e competitiva da Apex, Marcos Lélis. Ao norte, onde os mercados para manufaturados são solidamente ocupados por empresas europeias, o governo tem incentivado a exportação de bens primários, especialmente alimentos: carnes, açúcar e café, entre outros. “Temos mais chance de vender mais produtos com maior valor agregado no sul da África, porque temos mais investimento direto lá”, avalia Lélis.
A instabilidade no norte da África, com a revolta popular que derrubou governos na região, fez abortar uma missão comercial que estava prevista neste ano, e passaria pelo Egito e Nigéria.
As perspectivas de investimentos em alta nos países ao sul do continente fazem da África Subsaariana o alvo principal do Brasil no próximo ano. Em Angola, país onde o Brasil está presente desde os anos 80, a Apex identificou pelo menos 36 produtos com mercado “a consolidar”, nos quais o Brasil já tem participação expressiva, de até 30%. São máquinas de diversos tipos, matérias-primas como madeira, têxteis e calçados especiais, para segurança e obras, veículos e outros produtos, na maioria associados à demanda criada por empresas brasileiras em contratos de infraestrutura no país.
A atuação das grandes empresas de construção civil é uma das alavancas para a venda de mercadorias brasileiras. “Nosso mercado para bens industrializados é principalmente América Latina e África. Com um projeto de abastecimento nessas regiões, vendemos canos, tratores, botas para os operários, por exemplo”, disse o secretário-executivo da Câmara de Comércio Exterior, Emílio Garófalo.
Ele revelou que o governo estuda fazer com países africanos, como Gana, mecanismos de garantia de exportações baseados nas vendas de matérias-primas exportadas por esses países, como já ocorre com Angola, com quem o Brasil mantém uma espécie de conta-petróleo, em que a commodity dá segurança de pagamento pelas mercadorias e serviços que importa.
“Talvez o começo de produção de petróleo em Gana permita recursos para alavancar a infraestrutura lá”, concorda o chefe do departamento de relações institucionais na área de comércio exterior do BNDES, Carlos Frederico Braga e Souza. Segundo o executivo, há perspectivas, em discussão no Comitê de Financiamento e Garantia das Exportações (Cofig), de venda de maquinaria agrícola e equipamentos ligados ao programa de estímulo à produção de alimentos, que tem apoio da Embrapa.
Na reunião do Cofig, em outubro, segundo um executivo do setor privado, discutiu-se um pedido do governo de Gana para criação de uma linha de crédito vinculada às vendas de petróleo.