A relação entre crescimento econômico e inflação piorou no primeiro ano de mandato do governo Dilma Rousseff. Na primeira semana do ano, a mediana das expectativas do mercado, captada pelo Boletim do Focus, projetava alta de 4,5% para o Produto Interno Bruto (PIB) em 2011 e de 5,33% para o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). Na semana passada, a expectativa de PIB era bem menor (3,16%) e a de inflação, maior (6,48%).
A deterioração das expectativas tanto em relação ao comportamento do PIB quanto ao da inflação se deu de maneira ininterrupta ao longo do ano. Módica, a única melhora nesse período ocorreu há pouco mais de 20 dias e apenas em relação à inflação – os agentes econômicos reduziram a projeção de inflação de 6,52 para 6,48%. No mesmo período, a projeção de expansão do PIB diminuiu.
Em tese, um crescimento mais forte da atividade econômica, especialmente quando a taxa supera o que os economistas chamam de PIB potencial, gera pressões inflacionárias. Em 2010, por exemplo, o PIB avançou 7,5% e a inflação foi a 5,9%. No anterior, o crescimento foi negativo em 0,6% e a inflação ficou em 4,3%, abaixo do centro da meta, de 4,5%.
O governo adotou, ao longo de 2011, uma série de medidas para moderar o ritmo de crescimento e, assim, segurar a escalada inflacionária. Já se esperava, portanto, um avanço menor do PIB. O problema é que, de fato, a economia caiu de forma significativa, mas o IPCA caminha para terminar o ano no limite superior (6,5%) do intervalo de tolerância do regime de metas.
O que provocou essa piora acentuada na relação entre PIB e inflação? Para alguns analistas, o fenômeno pode ser explicado pela perda de credibilidade da política econômica, em especial, da política monetária, que teria passado a privilegiar o crescimento, em vez do cumprimento da meta de inflação. Isso teria levado os agentes econômicos a acreditarem que, ao contrário do governo Lula, a gestão atual tem maior tolerância com a inflação.
O secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, Márcio Holland, rebate essa análise. Em entrevista ao Valor, ele disse que a ideia de que a relação entre PIB e inflação (o “trade-off”, no jargão dos economistas) piorou no governo Dilma é parte de uma avaliação extremamente “curto prazista”, que não leva em conta, por exemplo, os vários choques de oferta sofridos pela economia brasileira desde o fim do ano passado.
De fato, os preços de várias commodities e de produtos e serviços administrados, além dos de produtos agrícolas que não são commodities, pressionaram a inflação ao longo do ano. No caso dos administrados, dos 28 itens acompanhados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 17 subiram acima da meta de inflação nos 12 meses acumulados até setembro. Passagem aérea, por exemplo, subiu, em média, 44,87% nesse período.
Holland lembra que apenas sete itens (gasolina, ônibus urbano, plano de saúde, energia elétrica residencial, telefone fixo, produtos farmacêuticos e taxa de água) respondem por 60% do peso dos administrados na inflação. Numa lista mais ampla, acrescida de mais cinco itens (telefone celular, ônibus intermunicipal, gás de bujão, emplacamento e licenciamento de veículo, jogos de azar e passagem de ônibus interestadual), o peso sobe para 90%.
Nos 12 meses até setembro, apenas os preços administrados responderam por 1,77 ponto percentual dos 7,31% acumulados pelo IPCA no mesmo período. O secretário de Política Econômica cita outros exemplos de alta de preços, que ajudariam a justificar a dificuldade do governo em trazer a inflação para a meta em 2011.
Os serviços bancários, por exemplo, subiram 12,1% nos 12 meses até setembro; açúcar e derivados aumentaram 18,97% em idêntico período; carnes avançaram 12,54%; leites e derivados ficaram 11,29% mais caros; aves e ovos subiram 12,06%; e vestuário registrou elevação de 9,73%, sempre considerando o percentual acumulado em 12 meses até setembro no IPCA.
“Mesmo nesse cenário de choques de commodities lá fora e de choques que afetaram a inflação no Brasil, o IPCA fica no intervalo de tolerância. Sem os choques, a inflação muito provavelmente estaria no centro da meta”, sustentou Holland, para quem “é muito apressado falar em piora da relação entre crescimento e inflação. Foram muitos choques de oferta. Não há falta de compromisso com a inflação nem preferência por ter crescimento com inflação”.
Holland lembra que o Brasil se recuperou de maneira “extraordinária” da crise de 2008/2009. Para ele, a capacidade do país de crescer e de controlar a inflação foi subestimada. “O Brasil cresceu [no pós-crise] acima da média dos anos anteriores à crise. Depois, o governo tomou medidas para acomodar o crescimento e convergir a inflação”, observou ele.
O Banco Central (BC) adotou medidas macroprudenciais no início do ano, depois elevou a taxa básica de juros (Selic) e o Ministério da Fazenda promoveu o que o secretário chama de “consolidação fiscal”, fato igualmente subestimado pelos analistas, na acepção de Holland.
“Até setembro, já tínhamos cumprido 83% do resultado primário [que não contabiliza a despesa com juros da dívida] das contas públicas”, disse o secretário, que é doutor em economia pela Unicamp e pós-doutor pela Universidade de Berkeley (EUA).
Holland acredita que a economia brasileira passa por um momento de transição. Nesses momentos, o grau de “impressionismo” dos analistas em relação ao curto prazo costuma ser grande, porque, segundo ele, os instrumentos técnicos de análise são frágeis. Em meio a uma grande variedade de choques de preços, “a relação entre PIB e inflação”, argumenta Holland, “não consegue ser representada perfeitamente por uma Curva de Phillips [que mostra uma correlação negativa entre inflação e desemprego] tradicional”.
O economista José Júlio Senna, ex-diretor do Banco Central e hoje sócio da MCM Consultores, concorda com Holland quanto à possibilidade de os choques de oferta terem contribuído para piorar o “trade-off” entre PIB e inflação. Ele acredita, no entanto, que isso é apenas parte da explicação.
Para Senna, a sucessão de períodos de afrouxamento e aperto monetário vivida pela economia brasileira nos últimos quatro anos ajuda a explicar a piora do “trade-off”. Ele lembra que o Banco Central apertou a política monetária em 2008, afrouxou em 2009, voltou a apertar e a afrouxar ao longo de 2010 e, novamente, a apertar e a afrouxar em 2011. Esses movimentos dificultam decisões de investimento. Senna atribui parte do problema, também, à perda de credibilidade do BC.
“No início do processo, houve um choque de preços; no fim, um choque internacional que tende a derrubar a atividade econômica. Nesse meio tempo, vários momentos de ‘stop and go’. Acho que isso explica pelo menos parcialmente o fenômeno da piora do ‘trade-off'”, disse o economista. “Não há dúvida de que a perda de credibilidade do Banco Central piora o ‘trade-off’. Numa determinada fase de aperto monetário, quanto maior a credibilidade, maior o impacto sobre as expectativas e mais rapidamente você reverte a inflação”, diz o ex-diretor do BC.