O anúncio da incorporação da Santelisa Vale, de Sertãozinho (SP), pela companhia francesa Louis Dreyfus será feito nos próximos dias. O fechamento do negócio depende da assembleia dos acionistas da companhia, que foi remarcada para o dia 26, na sede da usina, para definir os detalhes da operação. A transação marcará o fim do papel de protagonista da família Biagi do setor sucroalcooleiro.
A família, uma das mais tradicionais do País no segmento, vira, assim, uma página importante de sua história. Deixa de ser proprietária do segundo maior grupo de açúcar e álcool do Brasil para se tornar acionista – e coadjuvante – da companhia que será criada pela multinacional francesa após a incorporação da Santelisa Vale.
Os cálculos são que os irmãos Biagi, exceto Maurílio Biagi Filho, e a família Junqueira Franco ficarão com uma fatia entre 16% e 17% da nova empresa. O banco Goldman Sachs e o BNDESPar terão, cada um, cerca de 1%. A Louis Dreyfus passará a ser majoritária, com 62% de participação, e o restante será distribuído entre novos investidores, boa parte ligada ao grupo francês.
Mesmo diluída a participação dos acionistas na nova empresa, o bolo é grande. Trata-se da segunda maior companhia de açúcar e álcool do País, com capacidade de moagem de cerca de 40 milhões de toneladas de cana, volume inferior apenas ao do grupo Cosan, que pode processar até 60 milhões de toneladas.
Não foi uma negociação fácil para a Louis Dreyfus, que teve de vencer a concorrência com pesos pesados como Bunge, Cosan, São Martinho com GP e Cargill. Depois de meses de discussão, o grupo francês ainda encontrou muita resistência dos principais acionistas da Santelisa Vale: as famílias Biagi e Junqueira Franco.
Os principais acionistas da companhia, com sede em Sertãozinho, não queriam dividir a gestão com ninguém. É que a empresa passou por um processo recente de união, em 2007, quando o grupo Cosan fez uma oferta pela compra da Cia. Vale do Rosário, de Morro Agudo (SP). Àquela época, a Vale do Rosário atuava de forma independente e era coordenada pelo usineiro Cícero Junqueira Franco.
Junqueira Franco não se rendeu à proposta feita pelo empresário Rubens Ometto e preferiu unir forças com a Santa Elisa, controlada pela família Biagi, para criar uma das maiores companhias do setor. Nascia a Santelisa Vale, resultado da fusão entre a Santa Elisa, Vale do Rosário e outras cinco usinas paulistas, com capacidade de moagem de quase 20 milhões de toneladas.
As famílias Biagi e Junqueira Franco só não contavam com a crise financeira. Alavancada, a Santelisa foi abatida pela turbulência global. Com dívidas que beiravam R$ 3 bilhões, não restou outra alternativa senão a procura por novos investidores.
Era isso ou a recuperação judicial, caminho que foi trilhado por dezenas de usinas do setor. Para coordenar o processo de reestruturação, a Santelisa Vale contratou a consultoria Angra Partners e o executivo Luiz Kauffman. Kauffmann deixa a empresa no dia 20.
Luiz Biagi, um dos acionistas da Santelisa, reconhece a responsabilidade dessa operação. Ele, seu irmão André Biagi, presidente do conselho de administração da empresa, Cícero Junqueira Franco e os outros acionistas da família sabiam que não restavam muitas alternativas.
Discreto, Luiz Biagi, formado em economia, prefere não falar diretamente da Santelisa. O empresário orgulha-se de sua passagem pelo setor de bens de capital nos anos 80. A Renk-Zanini, uma das principais empresas de equipamentos para o setor sucroalcooleiro, também é controlada pela família Biagi. No início dos anos 90, a Renk-Zanini chegou a se fundir com a Dedini operação desfeita mais tarde. Hoje, a companhia está em delicada situação financeira.
A família Biagi também tem outros negócios fora do setor. Luiz, André e Alexandre Biagi controlam empresas engarrafadoras da Coca-Cola. Cristiano Biagi, filho de Luiz, está à frente da Sorocaba Refrescos. Luiz também atua no segmento de concessionária de veículos e possui uma holding, a B5, que faz investimentos em vários segmentos da economia. André Biagi está à frente da Refrescos Ipiranga e Alexandre controla uma engarrafadora da Coca-Cola na região de Uberlândia, no Triângulo Mineiro.
A usina Santelisa tem, contudo, forte apelo emocional para a família. Originalmente, o usineiro Maurílio Biagi herdou a fazenda Santa Elisa de seu pai e passou os negócios para seus filhos. Maurílio Biagi Filho comandou a usina por décadas, até deixar a empresa, em 2002.
Uma das primeiras usinas a ter gestão profissionalizada, a Santelisa foi bem-sucedida até um pouco antes da crise financeira global. “Houve até um sopro de esperança de [a usina] não mudar de mãos por conta da recuperação dos preços do açúcar no mercado internacional, mas não havia mais jeito”, afirmou uma fonte familiarizada com o negócio.
Os detalhes para a incorporação estão praticamente definidos. Basta apenas o cumprimento de trâmites burocráticos para que a operação seja efetivada. “O negócio está pronto, praticamente fechado. Ainda não está assinado, mas não acredito em mudanças”, diz a mesma fonte.
Para a Louis Dreyfus, resta esperar mais alguns dias. A assembleia de acionistas foi remarcada pela segunda vez. A primeira estava prevista para 8 de outubro, mas foi adiada para o dia 16. Com o falecimento de um dos acionistas, foi novamente remarcada, agora para o dia 26. A empresa, que fez sua estreia no setor sucroalcooleiro em 2000, com a compra de sua primeira usina, saltará da oitava posição no ranking do país para a vice-liderança. Basta apenas uma série de “canetadas” dos acionistas para o grande salto do grupo francês.