Um novo estudo sobre políticas de defesa comercial do Brasil, China e Índia nos últimos 15 anos chega a uma conclusão preocupante: a de que o governo brasileiro é “tímido” na proteção da indústria nacional contra importações desleais originárias da China, principalmente.
Enquanto a Índia trata a China como parceiro normal e “não se esquiva” de se defender, o entendimento é de que Brasil parece ter “politizado” o uso dos mecanismos de defesa comercial no caso dos chineses, temendo ferir a suscetibilidade de seu hoje maior parceiro comercial, apesar das queixas da indústria nacional.
Os autores do estudo são a professora Vera Thorstensen, diretora do Centro de Comércio Global e do Investimento da FGV-SP, juntamente com Daniel Ramos e Carolina Mueller, pesquisadores assistentes.
Quem acompanha comércio exterior conhece o rigor acadêmico de Vera Thorstensen e sua especialização profunda sobre as regras que regem as trocas globais. Ela foi por 15 anos assessora econômica da missão do Brasil na Organização Mundial do Comércio (OMC), presidiu o complicado Comitê de Regras de Origem da entidade por seis anos, é fonte esclarecedora para empresários e assessores, preparou dezenas de jovens advogados em estágio em Genebra e ensinou em instituições em Paris, Lisboa e Barcelona, até retornar no ano passado a São Paulo.
Índia aplicou mais sanções contra a China que o Brasil
O estudo, feito para o Ipea, examina dados entre 1995 e 2010. Conclui que a Índia foi dos três o país que mais usou os mecanismos de defesa comercial, como também foi o membro da OMC que mais aplicou medidas antidumping contra a China, para frear importações com preços considerados deslealmente baixos. Nova Déli abriu 137 investigações contra os chineses, que resultaram em 105 aplicações de sobretaxas, mais que os EUA e União Europeia. Em comparação, o Brasil abriu 41 investigações contra a China e aplicou 30 sobretaxas – quase três vezes menos.
O uso de taxas antidumping, antissubsídio e salvaguardas se conta aos milhares por países desenvolvidos e em desenvolvimento no período. A flexibilidade intencionalmente criada pelas regras da OMC foi pensada exatamente para casos como o que enfrenta atualmente a indústria brasileira, criando espaço necessário para a adaptações dos setores afetados.
“No entanto, mesmo enfrentando avanços significativos de penetração de produtos chineses no mercado brasileiro de manufaturados, o Brasil apresenta tímida reação, diante do dano causado à produção nacional”, escreve Vera.
Sobretudo, os autores não conseguem entender como o governo de Dilma Rousseff não utiliza a salvaguarda transitória ou especifica, que está previsto no protocolo de adesão da China à OMC, em 2001. Prevendo o forte crescimento da economia chinesa e a alta competitividade de seus produtos no mercado internacional, os membros da OMC negociaram a ferramenta como alternativa para evitar desorganizações de mercados causadas pelo súbito aumento das vendas chinesas. O instrumento pode ser aplicado até o fim de 2013, com mais simplicidade do que a salvaguarda regular.
Certos negociadores falam de ameaças feitas por Pequim contra quem aplica essa salvaguarda específica. No entanto, vários membros da OMC, desde os EUA, União Europeia, Canadá e Índia, como o Equador, República Dominicana, Colômbia, Peru, Polônia, Taiwan e Turquia abriram no total 28 investigações contra 447 produtos chineses e aplicaram de forma definitiva cinco salvaguardas contra 13 produtos. Essa diferença entre os números demonstra que as partes chegaram a algum tipo de acordo, como previsto no protocolo, portanto mais favorável do que ficar sem reagir, conforme o estudo.
A constatação é de que até agora o governo se limitou a discursos contra o processo de desindustrialização de segmentos de importantes setores industriais, como máquinas e equipamentos, eletroeletrônico, siderurgia e têxteis. Alerta que a substituição da produção nacional pelos produtos importados em quadro de forte valorização do real aponta tanto para uma desindustrialização crescente, como para o desemprego e o déficit da balança comercial em médio prazo.
Para Vera Thorstensen, a indústria brasileira enfrenta “um dos maiores desafios de sua história”. De um lado, o Brasil transformou a China no seu maior parceiro comercial, exportando commodities, e importando manufaturados, e almeja atrair investimentos chineses. Enfrenta inflação crescente, que encoraja importações, especialmente de produtos de consumo de massa. De outro, o governo conclama a indústria a um choque de competitividade, mas a desencoraja, criando uma série de obstáculos que dependem de solução do próprio governo e não da indústria.
Nesse cenário, enquanto o Brasil tenta solucionar seus graves problemas internos, por que não utilizar instrumentos permitidos pela OMC para proteger a indústria brasileira de concorrência reconhecida como desleal?, indaga o estudo. Conclui que a não utilização dos mecanismos só agrava um quadro bastante desfavorável para o comércio brasileiro, e contraria princípios básicos do comércio internacional, negociados ao longo dos últimos 60 anos.
Os autores sugerem que o Brasil não pode, e não deve, politizar o uso dos mecanismos de defesa comercial. Sua utilização foi objeto de extensa negociação e afastando históricos traços políticos do tema. “A defesa comercial não deve ser utilizada como moeda de troca no jogo político”, especialmente por se tratar do combate a práticas danosas ao comércio internacional, e deveria pautar-se apenas pela investigação objetiva dos fatos e de seus eventuais impactos econômicos.
As regras são iguais para todos, o que impede o Brasil de usá-las?, indaga Vera Thorstensen.