A crise americana fez com que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva adiasse por dois anos a decisão de restringir a compra de terras por estrangeiros. A Advocacia-Geral da União (AGU) concluiu parecer nesse sentido, em 3 de setembro de 2008. A crise estourou alguns dias depois e Lula ficou com receio de dificultar investimentos externos num período de incertezas no cenário econômico internacional. Por esse motivo, o presidente demorou quase dois anos para assinar o parecer da AGU.
“Em setembro de 2008, surgiu a crise global e não sabíamos quais seriam as repercussões na economia”, explicou o consultor-geral da União, Ronaldo Jorge Araújo Vieira Júnior, autor do parecer. A decisão de assinar o documento foi tomada semana passada, por causa do crescente interesse de empresas estrangeiras por imóveis rurais no Brasil. Lula avaliou que era necessário ter maior controle sobre as terras diante da crise mundial de alimentos e da demanda por novas fontes de energia, como biocombustíveis. O governo concluiu que os novos mecanismos de controle não prejudicarão novos investimentos no País.
“Eu não creio que haverá redução de investimentos, apenas as companhias terão de se adaptar a algumas regras de controle”, disse o advogado-geral da União, ministro Luís Inácio Lucena Adams.
As regras indicam que as empresas que não possuem o mínimo de 51% de capital social em poder de brasileiros terão de seguir limitações para comprar terras no País. Elas não vão poder adquirir mais de 25% dos imóveis de um determinado município e terão de seguir outras limitações de espaço, como o tamanho máximo dos imóveis, que deve ser de até 50 módulos de exploração indefinida (entre 250 a 5 mil hectares, dependendo da região). A compra de terras também terá de se ater a projetos agrícolas, pecuários e industriais previstos no estatuto das empresas.
“As empresas estrangeiras terão de estabelecer parâmetros de maneira mais colaborativa, como capital mútuo”, completou Adams. Para ele, essas restrições são normais, pois existem em outros artigos da Constituição para outras atividades consideradas essenciais. Como exemplo, citou as companhias jornalísticas, que, segundo ele, devem ser controladas por brasileiros para atuar no País.
Adams ressaltou que quem adquiriu terras até a semana passada não está sujeito às imposições do parecer. “Interpretações novas não podem retroagir.” Com isso, as restrições valem desde a última segunda-feira, quando o texto foi publicado no “Diário Oficial”. Elas serão aplicadas pelo Incra no registro de cada aquisição de imóvel.
O consultor-geral explicou que o governo brasileiro adotou posições distintas sobre o assunto em diferentes momentos históricos, desde 1971, quando o então presidente Emílio Médici sancionou a Lei 5.709, que impôs restrições à aquisição de terras por estrangeiros.
Médici adotou uma posição nacionalista que vigorou até 1994, ano em que a AGU concluiu um parecer totalmente contrário ao atual. O texto de 94 dizia que, como a Lei 5.709 não foi recepcionada pela Constituição de 1988, a compra de terras por estrangeiros estaria liberada. Esse parecer foi assinado pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso, em 1998. Ou seja, se tornou norma na administração pública e, por isso, o governo foi liberal com relação à aquisição de imóveis por estrangeiros, nos últimos 16 anos. A justificativa, na época de FHC, era a de que o País precisava atrair investimentos externos.
Agora, a AGU restringe essa prática em novo parecer. “Isso se chama mutação constitucional”, explicou Ronaldo, referindo-se a um mecanismo que permite novas interpretações diante do mesmo texto legal. “Entendemos que a interpretação de 94 estava equivocada”, completou o consultor-geral. “Não vejo o parecer como uma nova visão de soberania”, afirmou Adams. “O que queremos preservar é a existência de alguns controles”.