A natureza intriga o homem pela diversidade e pela complexidade de formas e mecanismos ligados à sobrevivência de plantas e bichos. Uma equipe canadense decidiu estudar um desses processos inusitados: a formação da casca do ovo das galinhas. Eles identificaram que a estrutura que permite o desenvolvimento dos filhotes é formada por meio de uma intricada distribuição de proteínas, capaz de proteger e, ao mesmo tempo, facilitar a saída das pequenas aves. Os achados foram publicados na última edição da revista Science Advances e podem ajudar no melhoramento da produção de alimentos para o consumo humano.
Por milhões de anos, as aves se beneficiaram da evolução para criar a casca de ovo perfeita. Essa estrutura tem diversas funções, incluindo proteção e nutrição — é fonte de cálcio para o esqueleto do pintinho embrionário. Sua consistência, porém, tem que atender a diferentes objetivos. Ela precisa facilitar a eclosão dos filhotes, mas não pode ser fraca o suficiente para não resistir a fraturas até o nascimento deles.
“As cascas de ovo são notoriamente difíceis de estudar por meios tradicionais porque elas se quebram facilmente quando tentamos tirar uma ‘fatia’ fina para criar uma imagem por microscopia eletrônica”, conta ao Correio Marc McKee, professor do Departamento de Anatomia e Biologia Celular da Universidade McGill, no Canadá, e um dos autores estudo. Ele e os colegas conseguiram superar o desafio com a ajuda de tecnologias mais apuradas. “Graças a um novo sistema de análise por feixe de íons concentrados, conseguimos cortar uma amostra com espessura necessária e observar, com precisão, a imagem do interior da casca.”
Os investigadores descobriram que um fator determinante da força da casca é a osteopontina, uma proteína também encontrada em materiais biológicos compostos, como os ossos. Por meio de imagens de microscopia de força atômica sistemática, a equipe analisou três camadas da casca de ovo de galinha — a vertical de cristal (VCL), a de paliçadas (PL) e a mamilar (ML). Os resultados mostraram que a quantidade de osteopontina variou ao longo das camadas, sendo mais abundante na VCL e na PL, as mais externas.
Em um outro teste envolvendo versões sintéticas de cristais minerais encontrados na casca do ovo, os autores examinaram o controle de nanoestrutura da osteopontina. Com base nas observações laboratoriais, concluíram que concentrações mais altas da proteína levam a um tamanho menor de nanoestrutura (e maior rigidez), o que sugere que a quantidade de osteopontina é criticamente importante no controle da resistência da casca de ovo de aves.
Aplicações
Para a equipe, os resultados podem contribuir na condução de projetos de nanomateriais funcionais. Por exemplo, o desenvolvimento de embalagens que protejam melhor um produto, mas não sejam tão rígidas. Também poderão ajudar na geração de ovos para o consumo humano mais resistentes, diminuindo o risco de intoxicação por salmonela, por exemplo. “De 10% a 20% dos ovos de galinha quebram ou racham, o que aumenta o risco de envenenamento por salmonela. Ter uma casca de ovo forte e resistente evitará o acesso desses patógenos ao óvulo”, diz McKee. “Por isso, entender como a nanoestrutura mineral contribui para a força da casca permitirá a seleção de características genéticas em galinhas poedeiras para produzir ovos consistentemente mais fortes para maior segurança alimentar.”
Helenice Mazuco, zootecnista e pesquisadora da Embrapa Suínos e Aves, em Santa Catarina, destaca que o alvo de estudo dos canadenses é um tema que sempre despertou curiosidade entre cientistas. “É algo que nós sempre tentamos entender melhor, a resistência que permite que o animal seja desenvolvido, mas que se modifica para a hora do nascimento. É algo que sempre se quis copiar na área científica”, diz.
Mazuco também acredita que os maiores ganhos do trabalho devem ser para a área industrial. “Caso essa estrutura possa ser explorada mais a fundo, essas informações podem ajudar em diversos conceitos de design na área de produção”, explica. Quanto à área alimentícia, ela pondera com relação a limitações legais. “É importante destacar que a área de partículas de nanoescala ainda é muito nova, não temos uma regularização. Por isso, ainda é necessário saber se essas modificações podem ser feitas. Não sabemos se isso faz bem ou mal ao ser humano, são dados que precisam ser explorados mais a fundo.”