Apesar da cautela com que o assunto é tratado entre seus auxiliares diretos, a presidente Dilma Rousseff vai mesmo vetar os artigos mais polêmicos do Código Florestal aprovado pela Câmara dos Deputados. Entre eles, os que tratam da recomposição das matas ciliares e da “anistia” a desmatadores. Segundo fonte credenciada ouvida pelo Valor a presidente chegará “carregada” à conferência Rio + 20, a ser realizada em junho no Rio de Janeiro.
Antes da votação na Câmara, Dilma avisou aos líderes das bancadas governistas apoiava o texto aprovado no Senado, resultado de um acordo entre os partidos e os líderes governistas, e que usaria a prerrogativa do veto, se o projeto fosse modificado na Câmara. Além dos dois aspectos já referidos, o governo federal resiste também à ideia de delegar para os Estados o poder de legislar sobre o desmatamento às margens dos rios.
O governo pressionou especialmente o líder do PMDB, deputado Henrique Eduardo Alves, partido majoritariamente ancorado em bases ruralistas. O problema é que Henrique Alves também é candidato a presidir a Câmara, talvez até contra a vontade da presidente, e preferiu liberar a bancada a perder os votos potenciais dos ruralistas na eleição, em fevereiro de 2012.
Dilma também sempre teve atritos com ecologistas, sobretudo quando chefiava a Casa Civil da Presidência da República, mas assumiu compromissos na campanha presidencial e, de fato, não quer chegar à conferência Rio + 20 sendo hostilizada por organizações ambientalistas. “Ela vai meter a caneta e chegar à Rio + 20 carregada”, diz um influente líder do PT.
Publicamente, os auxiliares diretos da presidente, no Palácio do Planalto, apontaram na mesma direção, mas com cautela: “Eu acho que o Congresso realizou aquilo que estava ao seu alcance na correlação de forças”, disse o secretário-geral da Presidência da República, ministro Gilberto Carvalho, ao ser questionado se a aprovação do projeto da Câmara fora uma vitoria dos ruralistas. “Nós vamos, com muita serenidade, analisar e a presidenta Dilma vai tomar sua decisão. Não vamos adiantar nada”.
Carvalho reconheceu que o projeto aprovado “não é o que o governo esperava”, mas que agora, “com sangue frio e tranquilidade, a presidenta vai analisar como vai tratar essa questão”.
Também ressalvando que a prerrogativa do veto é da presidente, a ministra Ideli Salvatti foi um pouco além de Carvalho: “Eu tenho a convicção, até porque ela já manifestou inúmeras vezes, que o que representar anistia não terá apoio, não terá respaldo do governo”, disse a ministra. “Qualquer questão que possa ser interpretada ou na prática signifique anistia, eu acredito que tenha chance de sofrer o veto porque ela já tinha anunciado”.
Carvalho e Ideli tomaram o cuidado de medir as palavras, ao tratar do veto, para não permitir a interpretação de uma interferência do Poder Executivo em prerrogativa do Poder Legislativo. “Não quero fazer uma adjetivação sobre uma decisão que teve a maioria do Congresso”, afirmou Carvalho. “É público e notório que nós queríamos um resultado que desse sequência àquilo que foi acordado no Senado. Não foi esse o entendimento da Câmara, mas é um poder à parte e nós respeitamos”.
O governo amanheceu com o discurso unificado em relação à derrota da véspera. Ideli foi na mesma linha de Carvalho: “O Senado produziu um texto com equilíbrio, buscando aproximar e equacionar divergências entre as produção e a proteção”, disse. “Agora a Câmara deliberou de forma diferente, obviamente tem de ser respeitada, e a presidente Dilma vai avaliar com toda a serenidade para a sanção do projeto”, acrescentou.
Carvalho, no entanto, ressaltou que assim como era prerrogativa da Câmara modificar o texto do Senado, a Constituição também dá ao Executivo o poder de veto. “A presidente vai analisar com muita serenidade, sem animosidade, sem adiantar nenhuma solução. Nós vamos analisar com muita calma, nós temos muita responsabilidade com o país”, afirmou.
O relator do projeto de Código Florestal, deputado Paulo Piau (PMDB-MG), disse que a presidente tem sim o direito constitucional de vetar partes do seu relatório, mas advertiu que, se ela for por esse caminho, que seja baseado em “decisões técnicas”. “Ela precisa entender o projeto e não sucumbir a pressão pública e querer dar satisfações aos ambientalistas por causa da Rio +20”, disse.
Gilberto Carvalho reconheceu que a “Rio+20” deve pesar na decisão da presidente, mas nem tanto: “Menos, porque é um episódio. Mais importante é o nosso cuidado com a preservação e o modelo de desenvolvimento sustentável que nós pregamos”, disse. “Importante é o crescimento, a inclusão social e o cuidado com a natureza. É a preservação pensando no presente e nas gerações futuras. Isso sim e, evidentemente, os compromissos que ela assumiu durante a campanha serão os parâmetros que vão nos orientar”.
Segundo o secretário estadual de Ambiente, Carlos Minc, que esteve com a presidente na manhã de ontem, Dilma deve vetar parcialmente o projeto.
De acordo com Minc, Dilma teria dito “com um risinho maroto e solidário” que ele poderia contar com seu apoio. “Ela não usou a expressão ‘vou vetar’, mas pelo conjunto de sua fisionomia, do seu riso, sua expressão, ao dizer que não vai decepcionar e que conta comigo para os passos seguintes, eu interpretei que ela vai tomar alguma atitude”, disse Minc.
A presidente poderá sancionar o texto tal como está, vetá-lo completamente ou parcialmente, que deve ser a postura do governo, já apontada também em Brasília pelo ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Gilberto Carvalho.
Caso o Código seja vetado parcialmente, o governo precisará soltar praticamente ao mesmo tempo uma Medida Provisória para suprir os pontos que ficarem descobertos, pois lei atualmente em vigor seria derrubada e alguns pontos das novas regras seriam vetados. Entre os principais pontos a serem vetados, segundo o secretário, estão a anistia, a não obrigação de recompor áreas desmatadas, “dando a ideia de que o crime compensa”. Outro ponto são as restrições à pecuária em topo de morro, ou pontos do crédito agrícola subsidiado.